Responsável pela Cáritas Diocesana lamenta “fragilidade” e “falta de articulação” da organização nalgumas ilhas
Anabela Borba é a diretora da Cáritas diocesana. Em entrevista ao Sítio Igreja Açores diz que a crise tem feito disparar o número de pedidos de ajuda, que até poderia ser maior se ao nível das comunidades “as periferias” estivessem todas identificadas e fossem encaminhadas. A dirigente, que foi a primeira leiga a dirigir um serviço diocesano, apela a uma maior cooperação no terreno e defende que a ajuda de que as pessoas precisam não é apenas material. E a Igreja tem de ser capaz de ir “ao encontro” dessas necessidades
Sítio Igreja Açores- Os pedidos de ajuda à Cáritas têm disparado com a crise?
Anabela Borba- Infelizmente têm. Entre janeiro e setembro o número de atendimentos nas Cáritas da Terceira e S. Miguel, continuaram a crescer face a período homólogo do ano anterior e, nestas duas ilhas, atendemos nas sedes mais 202 casos, num total de 2426 pessoas. Mas esta tendência tem sido crescente. Não contamos com os casos que se apresentam aos núcleos da Cáritas, porque não temos números. Os pedidos mais solicitados pelas famílias são para despesas básicas, (alimentação, água, luz), rendas de casa, mas também para cuidados de saúde e educação.
Aliás, com a crise está a verificar-se um retorno de famílias que já não eram acompanhadas pela Cáritas há cerca de 4 anos e mais.
Constatamos, também, um aumento de pensionistas a recorrer aos nossos apoios, mas o desemprego e os baixos salários, bem como os cortes salariais, e o fim do subsídio e dos programas de emprego, são responsáveis pelo aumento destes pedidos de ajuda.
Sítio Igreja Açores- A Cáritas consegue ter capacidade de resposta para todos os pedidos?
Anabela Borba- Não, de forma alguma! A Cáritas em Portugal tem uma grande rede de apoio social, mas na nossa diocese a nossa rede é fraca, pouco articulada, pouco dada a registos, com poucas iniciativas, e em algumas das nossas ilhas, baseada em trabalho de voluntários, com poucos recursos disponíveis.
Por outro lado, é necessário tornar mais acessíveis os recursos, porque apesar de serem reduzidos também os há e resultam, sobretudo dos peditórios e da generosidade de pessoas em nome individual ou de empresas. Da parte da Cáritas dos Açores temos feito um esforço para divulgar e tornar fácil o acesso aos recursos de que podemos valer-nos. Desde logo a Cáritas em Portugal e nos Açores têm ao seu dispor o Fundo Social Solidário, a Cáritas nos Açores tem, para complemento deste, também o Fundo de Emergência Social.
Os meios são sempre escassos para as necessidades, mas o que mais me preocupa, é que não nos chegam pedidos da maioria das nossas paróquias, e não chegam, não por não existirem necessidades, mas porque não está lá ninguém para fazer o atendimento, encaminhamento e acompanhamento do caso.
Sítio Igreja Açores- Quais são as ilhas mais problemáticas?
Anabela Borba- Penso que na primeira linha estão S. Miguel e Terceira
Sítio Igreja Açores- A sociedade civil está a contribuir para o combate à pobreza?
Anabela Borba- A sociedade civil tem consciência da situação de crise. No entanto, e bem, face à escassez de recursos, está também mais exigente. As dádivas e/ou os investimentos de particulares ou de privados são cada vez mais motivados por uma clareza dos motivos de cada donativo o que obriga as instituições a terem propostas concretas para os investimentos. A título de exemplo, a Caritas da Ilha Terceira criou o Programa Vértice que tem mobilizado investimentos de empresas em projetos anuais que, em 2014, estão relacionados com a criação de emprego no setor primário. Haver uma consequência concreta para um investimento é fundamental para que a sociedade civil se mobilize.
Sítio Igreja Açores- As instâncias publicas estão a cumprir o seu papel?
Anabela Borba- As entidades públicas estão presas às contingências orçamentais. Resta saber se dentro dessas contingências não haveria espaço para mais algumas medidas. A título de exemplo, ficamos a saber recentemente que um dos efeitos da crise ainda vigente é o aumento da pobreza infantil por via da redução de apoios como o Rendimento Social de Inserção (RSI). Ora, a questão não é tanto o volume de investimento, mas sim a monitorização desse investimento. O corte no RSI tem sido justificado com incumprimentos vários das famílias. Mas restam questões pertinentes: os planos propostos às famílias são exequíveis? Os prazos de execução estão a ser monitorizados? É que, caso contrário, estamos a penalizar os mais frágeis por via de não serem criadas condições para a mudança na vida das famílias apoiadas.
Sítio Igreja Açores- Estamos em véspera da discussão do Orçamento de Estado e do Orçamento da região. No primeiro não há descida de impostos e há apenas alguns paliativos para as famílias com filhos. Nos Açores as verbas de alcance social não sofrem qualquer alteração. Como é que vê estes dois documentos?
Anabela Borba- Do ponto de vista nacional, as políticas seguidas têm esvaziado a classe média para sustentar o Estado, com os riscos que isso implica. Daí que a classe média tenha engrossado muito significativamente um movimento de novos pobres. A manutenção dos apoios nos Açores pode ser vista como uma medida positiva, à partida, e sobretudo se pensarmos em emergência, como a que vivemos. Mas tudo depende, posteriormente, do real impacto dessas medidas na produção de mudança. E infelizmente, o que se tem visto em prestações sociais ligadas à privação de recursos é que sistematicamente estas se têm mantido ou aumentado na Região em vez de diminuir. Numa Região periférica, o Estado terá sempre que compensar determinadas dificuldades inerentes a essa condição periférica, não pode depois é contribuir inadvertidamente para que as condições de pobreza se mantenham. Os números parecem em parte alertar para esse risco.
Sítio Igreja Açores- Nos Açores existem 17% de desempregados 36% dos quais são jovens; 20% das famílias é afectada pelo desemprego; 7% da população depende do RSI; mais de 20% das famílias vive com um rendimento mensal médio inferior a 60% do rendimento mensal médico nacional que já é baixíssimo… como se pode dar a volta a estes números numa região como a nossa?
Anabela Borba- Passará mais por medidas económicas que acrescentem valor ao rendimento dos açorianos do que por políticas sociais que devem ser paliativos em tempos de crise e sobretudo um garante permanente da reciprocidade entre cidadãos e gerações.
Sítio Igreja Açores- A Cáritas tem desenvolvido um papel importantíssimo na luta contra a pobreza, tal como todas as instituições ligadas à igreja. Sente-se acarinhada pelo Estado?
Anabela Borba- O Estado tem acreditado nas nossas iniciativas e tem procurado conhecê-las. Desde sempre que a Cáritas tem reforçado uma linha de promoção das pessoas em complementaridade à assistência em situação de vulnerabilidade. Esse caminho tem sido trilhado em colaboração com as instituições públicas da Segurança Social, da Educação, da Juventude, entre outras. Mas tem, sobretudo, sido um caminho de grande honestidade que tem reforçado essa relação. Temos sido cooperantes, mas também temos sido críticos, quando nos pareceu discordar, debater e melhorar. Não me sinto nem deixo de sentir acarinhada, procuramos o respeito e a subsidiariedade no trabalho que desenvolvemos em comum.
Sítio Igreja Açores- Que projetos estão em marcha para desenvolver uma ação ainda mais ampla?
Anabela Borba- Mantemos serviços permanentes como o Jardim-de-Infância ou o Apoio social, os Centros de acolhimento para pessoas sem abrigo, os Ateliers de Tempos Livres, mas temos tido diversos projetos orientados para crianças e jovens. Através do nosso Centro de Desenvolvimento e Inclusão Juvenil, está a decorrer a formação no âmbito do programa Reativar, à qual associamos um projeto de formação e emprego na área da agricultura biológica chamado Terra nostra – capacitação co raízes , que é patrocinado pela Fundação EDP e por várias empresas privadas da região. Temos também um projeto de educação não-formal denominado A Par e Passo, destinado a promover o sucesso escolar, e que é patrocinado pelas EEA Grants, do programa Cidadania Ativa da Fundação Gulbenkian. Estamos agora a arrancar, também, com o projeto “Enformar Informal” com a colaboração da Direção Regional da Juventude, com atividades de educação não-formal, orientação vocacional e ocupação produtiva. Temos projetos com municípios, quer no âmbito meramente social quer de políticas de juventude e habitação….
Em síntese procuramos ir respondendo ás necessidades que se nos deparam, um pouco de acordo com a vocação de cada uma das Cáritas de ilha, umas Cáritas mais centradas na juventude, outras nos sem abrigo, outras no atendimento social…O importante é que estejamos onde somos necessários e com quem necessita de nós, em relação.
Sítio Igreja Açores- Neste novo ano pastoral, que será um ano difícil, marcado ainda pela austeridade, como é que a Cáritas perspetiva a sua atuação?
Anabela Borba- A Cáritas tem uma grande rede de apoio social, espalhada por todo o país, e está a desenvolver ações de assistência, promoção humana, desenvolvimento local e intervenção política, para responder à emergência social, e se este é um papel da Cáritas, não é menos importante o seu papel de ajudar a crescer nas comunidades cristãs, nos cristãos, a dimensão social.
Como todos sabemos a dimensão social do evangelho, implica proximidade, atenção, respeito, busca de soluções, denuncia e anuncio. Sabemos também que os cristãos, que constituem esta igreja particular nos Açores, regra geral não se têm querido comprometer com esta dimensão social do evangelho, e por isso poucas paróquias têm um serviço organizado para responder aos problemas das pessoas mais fracas, mais sós, mais pobres …. aos últimos das suas comunidades. Ou melhor, se têm fecham-se em si mesmas e não vão “rumo às periferias do mundo e da existência” como nos desafia o Papa Francisco.
O papa afirma “que uma Igreja em saída, é a única possível segundo o Evangelho”.
Então e para responder à sua pergunta, vamos continuar a procurar ativar os cristãos e as comunidades cristãs para a criação de grupos capazes, de face à realidade existente, fazerem a leitura da situação vivida em cada comunidade à luz da doutrina social da igreja, e responder aos desafios atuais. Isto é, há grupos capazes de pensar e de agir, atendendo sobretudo às necessidades das pessoas e para as pessoas.