Cónego Hélder Fonseca Mendes presidiu a Missa na paróquia da Mãe de Deus e fez o sermão a partir da varanda da Câmara da Povoação, numa festa que vigora há mais de um século e venceu todos os regimes políticos
O Administrador Diocesano de Angra presidiu esta tarde à Solenidade litúrgica do Corpo de Deus na vila da Povoação, ilha de São Miguel, e desafiou os povoacenses, que têm nesta festa a maior do ano, a prolongar o essencial da Eucaristia na vida quotidiana, gerando formas de caridade e de antídoto contra a indiferença.
“A festa de hoje convida-nos a olhar a Eucaristia nas suas duas vertentes, que são dois aspetos do mesmo mistério: a celebração e o seu prolongamento”, afirmou no sermão que fez na Praça do Município, um momento de pregação habitual durante a Procissão Eucarística pelas principais ruas da vila da Povoação, adornadas com flores nas varandas e no pavimento, com motivos eucarísticos de forte simbologia.
“Não se trata de um espetáculo, para ser visto para fora” , disse.
O apelo de Jesus no Evangelho deste dia- Dai-lhes vós mesmos de comer- disse, “é um apelo a prolongar a sacramentalidade da Eucaristia de outra forma, na consciência social por ela despertada. Não é apenas um apelo à generosidade, à partilha, à organização da caridade, mas sobretudo uma inquietação, uma contestação à indiferença e ao desinteresse em relação ao outro”, afirmou o sacerdote.
O cónego Hélder Fonseca Mendes salientou, a este propósito o exemplo dos Impérios do Espírito Santo, onde existe “o milagre da abundância e da distribuição”, tal como no `milagre da multiplicação dos pães´, “sem desperdícios”, permitindo que todos possam ficar saciados.
“Quanto ao método, temos de aprender a medida. Jesus mandou formar grupos. A medida é a mesa humana, de uma família humana, ainda que alargada”, disse.
“Tal como acontece nas pequenas copeiras de Santa Maria é possível toda a população da ilha comer, tantas quantas as pessoas da multiplicação dos pães, a partir das mesas e do serviço que se vai renovando durante o dia”.
O sacerdote sublinhou ainda a dimensão transformadora deste alimento: “Este pão é para a nossa condição ou estado de peregrinos e caminhantes”.
Na ocasião, o sacerdote invocou a história desta festa no concelho, que remonta a 1905, altura em que a festa pública do Corpo de Deus é assumida pela Autarquia, desde o tempo da monarquia até ao Regime Autonómico, vencendo tragédias naturais, divergências políticas e a própria laicização da sociedade açoriana.
“Aqui, desta varanda, símbolo do poder local, subsistem hoje a justiça, a verdade e a misericórdia, que nenhuma enxurrada ou derrocada conseguiram destruir, tal como a de 25 de junho do ano passado, cujas marcas profundas permanecem em duas famílias aqui presentes, confortadas pela comunhão no amor que em Cristo é mais forte do que a morte” disse.
Durante a celebração eucarística que precedeu a procissão e o sermão nos Paços do Concelho, o sacerdote lembrou que a “Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo é de natureza espiritual e contemplativa” que suscita “adoração, louvor e agradecimento por este dom de amor, que é fonte e centro de toda a vida cristã”.
O sacerdote, que governa a diocese até à nomeação de um novo bispo, desde 30 de novembro de 2021, percorreu a história desta solenidade que simbólica e teologicamente tem a sua raíz na quinta-feira santa, dia da última Ceia, em que Jesus partilha o pão e o vinho com os discípulos e assume-se como servo e que, do ponto de vista da dimensão celebrativa em Igreja, começou a ser celebrada há mais de sete séculos e meio, em 1246, na cidade de Liège, atual Bélgica, tendo sido alargada à Igreja latina pelo Papa Urbano IV através da bula “Transiturus”, em 1264, dotando-a de Missa e Ofício próprios.
Esta solenidade terá chegado a Portugal provavelmente nos finais do século XIII e tomou a denominação de festa de Corpo de Deus; a exultação popular à Eucaristia é manifestada no 60.º dia após a Páscoa, uma quinta-feira, fazendo assim a ligação com a Última Ceia de Quinta-feira Santa.
“A comunidade cristã é convocada (hoje) a reafirmar a sua fé no mistério que se celebra no sacramento eucarístico” referiu o cónego Hélder Fonseca Mendes elencando o itinerário cristão desde o batismo, à primeira comunhão, passando pela celebração dominical que “em cada domingo não devemos desperdiçar, e assim é ao longo da vida”.
É através desta “comunhão” com Cristo que “estamos protegidos” referiu o cónego Hélder Fonseca Mendes denunciando “todas as formas de violência, fome, guerra, abusos, suicídio, aborto, eutanásia” como “contrárias à vontade e ao plano de Deus”.
“Se nos faltar esta proteção ficamos à mercê de leis humanas apuradas por maiorias que, por si, não garantem a proteção sobretudo aos mais frágeis e vulneráveis”, avançou lembrando a posição dos bispos portugueses a propósito da aprovação da Lei da Eutanásia, na passada semana.
“O nosso caminho, o nosso propósito e o nosso destino não serão estes certamente”, afirmou pedindo, ainda, aos povoacenses que participem na Eucaristia de forma “séria e consciente”.
“A Eucaristia, que atualiza continuamente o mistério pascal de Cristo entre nós, é a fonte de toda a graça e da remissão dos pecados. Contudo, quem tenciona receber o Corpo do Senhor, para alcançar os frutos do sacramento pascal, deve aproximar-se dele de consciência pura, mediante o arrependimento e a confissão dos pecados, e com as devidas disposições do espírito”, afirmou.
A Festa do Corpo de Deus é considerada a maior festividade religiosa do município da Povoação e é conhecida por toda a ilha de São Miguel e na diáspora A primeira procissão do Corpo de Deus realizou-se em 1905, na Povoação, por iniciativa do Padre Ernesto Jacinto Raposo.
As Festas do Corpo de Deus da Povoação são realizadas na Paróquia de Nossa Senhora Mãe de Deus, Freguesia de Povoação, sede do Concelho. Porém, são Festas que envolvem a participação de toda a Ouvidoria.
Nos anos anteriores à Pandemia as Paróquias da Ouvidoria da Povoação faziam -se representar na Procissão do Santíssimo Sacramento com uma faixa onde indicava o nome da Paróquia e a respetiva cruz paroquial. Este ano, porém, haverá algumas alterações, uma vez que contarão também com a presença dos Símbolos das JMJ, nomeadamente a Cruz das Jornadas e o Ícone de Nossa Senhora. Serão transportados pelos jovens e outras pessoas das seis Paróquias da Ouvidoria.
Esta sexta-feira, celebra-se o Feriado Municipal, e haverá Missa ao meio dia na Matriz da Povoação e às 15h30 um momento de Oração no Jardim do Lar da Santa Casa – Via Lucis com Maria.
“Após dois anos de Pandemia em que as Festas foram celebradas, mas não nos moldes habituais, penso que as pessoas anseiam pela Festa para se poderem encontrar em clima festivo, em primeiro lugar. Julgo que a adesão e participação das pessoas será grande”, referiu o padre João da Ponte, pároco da paróquia da Mãe de Deus.
É “uma verdadeira Festa à Eucaristia que procuramos prolongar ao longo de todo o ano com a celebração da Missa, mas também com a adoração Eucarística comunitária que se faz todas as quintas feiras do ano nesta Paróquia”.