Último debate da série Igreja e Sociedade, promovido pelo Instituto Católico de Cultura em parceria coim a RTP Açores discutiu a temática “Quem são os pobres hoje”
Se é consensual que a pandemia agravou a pobreza material de muitas famílias não o será menos a ideia de que o problema da pobreza decorre sobretudo de um modelo social que não tem sabido distribuir a riqueza de forma correta, apesar de muitos milhares de euros investidos em programas de luta contra a pobreza.
Esta é uma das conclusões que se pode tirar do último programa da série Igreja e Sociedade, “Quem são os pobres hoje”, uma iniciativa do Instituto Católico de Cultura em parceria com a RTP Açores e o apoio do Santuário do Senhor Santo Cristo e do Serviço Diocesano da pastoral da Cultura, que foi para o ar esta quinta-feira na RTP Açores.
“Será precisa uma revolução muito profunda que passe por um pacto educativo inovador que tenha a pessoa como principal foco e não a economia” disse o padre José Júlio Rocha, Teólogo moralista e assistente da Comissão Diocesana Justiça e Paz.
“É preciso um modelo económico que promova o emprego e uma distribuição justa da riqueza produzida de forma a reforçar-se a classe média(…) boa parte das causas da pobreza está no sistema e não nos indivíduos”, acrescenta Fernando Diogo, investigador e docente da Universidade dos Açores.
“A economia neo liberal cria fissuras” disse, por seu lado, Eugénio da Fonseca, presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado e ex presidente da Cáritas nacional.
“A Igreja é porventura a instituição com mais capacidade para lutar contra a pobreza” afirmou lembrando, contudo, que as “inúmeras instituições, os muitos serviços que a Igreja presta” mas depois “vamos para as comunidades e não sabemos lidar com os pobres hoje” disse o responsável sublinhando que os pobres hoje “continuam a ser os pobres de sempre” , mas a pandemia veio criar outro quadro.
“Os pobres materiais de hoje são sobretudo pessoas licenciadas, jovens, com muita informação e que de um momento para o outro viram a sua vida virada do avesso”, afirmou Eugénio da Fonseca.
A pandemia, as dificuldades financeiras, a perda de emprego e as remunerações deficitárias estão na base da criação de uma nova pobreza.
“A Igreja tem um potencial de intervenção social gigantesco” mas o “modelo de intervenção tem de ser alterado”.
“Não é só a Igreja que é assistencialista é também a sociedade e o Estado”, disse Eugénio da Fonseca alertando para o empobrecimento da classe média, sobretudo pequenos e médios empresários que “não conseguiram aceder rapidamente aos apoios do Estado” e não conseguiram “por outro lado sobreviver à concorrência” dos grandes retalhistas.
“O isolamento gerou pobreza na perspetiva da privação de recursos materiais”, disse ainda o ex presidente da Cáritas.
“Uma grande percentagem dos açorianos pobres trabalha, mas a precariedade laboral e a insuficiência de rendimento são realidades evidentes” acrescenta Fernando Diogo, coordenador do estudo sobre a pobreza em Portugal desenvolvido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
“Acredito que com o nível de produção de riqueza que temos poderíamos erradicar a pobreza mas o sistema de distribuição não é o mais correto” disse o investigador alertando para o perigo de um “agravamento da situação”.
“A crise pandémica e agora a guerra agravam os preços dos bens alimentares e isso é um dos factores que mais contribui para o aumento da pressão sobre o rendimento das pessoas agravando a sua fragilidade económica” avança o investigador destacando que a pobreza “embora possa acompanhar gerações não é necessariamente uma fatalidade”.
“A pobreza é uma questão relacional. Naturalmente que há um aspecto material por detrás da pobreza mas ela é muito mais do que a questão financeira” refere o padre José Júlio Rocha lembrando que esta é a questão prioritária da Igreja.
A caridade e o desenvolvimento humano foram de resto um dos problemas abordados no programa. Maria do Céu Patrão Neves, professora catedrática de Ética na Universidade dos Açores e membro da direção do Instituto Católico de Cultura afirmou que a visão do pobre na perspetiva material é importante porque “sem meios de subsistência a pessoa não se eleva”, mas temos de ver a dimensão da pobreza numa perspetiva mais ampla. Por isso, disse, “são precisas novas estratégias” que fujam “á lógica dos subsídios”, isto é, “potenciem a emancipação das pessoas mais frágeis”.
“Recebemos muitos milhões de euros mas a verdade é que continuamos a ter gerações inteiras dependentes de subsídios e isso não combate a pobreza”, referiu.
“O caminho tem que ser feito em conjunto: um pobre é um problema para si e para a sociedade; a lógica não pode ser a da esmola mas a da partilha e os mais ricos têm de perceber isso”, concluiu.
Com este programa “Quem são os pobres hoje” terminou a segunda edição do ciclo de programas Igreja e Sociedade, uma iniciativa do Instituto Católico de Cultura, em parceria com a RTP Açores que este ano procurou compreender a Igreja que resta depois da pandemia e os desafios que a sociedade lhe coloca.
O primeiro debate foi sobre a fé hoje; o segundo sobre a fé e os jovens.