D. José Ornelas elogia «coragem libertadora» de quem denunciou casos
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas, apresentou hoje em Lisboa um pedido de perdão a vítimas de abusos sexuais por parte de membros do clero ou em instituições eclesiais.
“Quero reiterar o pedido de perdão, por toda a falta de atenção ao vosso sofrimento ou de prevenção das suas causas”, referiu o bispo de Leiria-Fátima, falando aos participantes no colóquio sobre ‘Abuso sexual de crianças: Conhecer o passado, cuidar do futuro’, que decorre na Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), em Lisboa.
A iniciativa é promovida pela Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica em Portugal.
D. José Ornelas agradeceu a “coragem sofrida” das vítimas que “ousaram ir para além da dor, denunciando aquilo e aqueles que a causaram”.
“Espero que a vossa coragem libertadora possa motivar outros, em situação semelhante, a dar também esse passo, oferecendo um dos principais contributos para a libertação e a criação de uma nova cultura, rumo a um futuro digno, justo e acolhedor”, acrescentou.
O presidente da CEP disse confiar na comissão, que tem uma “real capacidade de acolhimento e de auscultação” das vítimas, com “autonomia e caráter nacional”.
“O nosso projeto sempre foi, desde o início, fazer luz, clarificar esta questão”, precisou.
D.José Ornelas destacou que a decisão de criar esta comissão, anunciada em novembro de 2021 pela CEP, nasceu da consciência da “gravidade” do fenómeno dos abusos, na Igreja e na sociedade, em particular nas últimas décadas.
O responsável católico aludiu ao “caráter devastador” dos abusos no desenvolvimento pessoal das crianças e adolescentes.
Estes atentados são particularmente graves, porque para além do mal direto e factual, afetam todo o sistema próximo e fundamental de afeto, confiança e de valores que suportam o desenvolvimento pessoal, relacional e espiritual”.
O presidente da CEP agradeceu o apoio da FCG numa iniciativa levada a cabo “em favor das crianças e dos jovens”, visando uma “melhor compreensão do fenómeno dos abusos de menores” e a “emergência de uma cultura de proteção, respeito e dignidade”.
A intervenção aludiu ainda à colaboração “desejável” com a Procuradoria-Geral da República, a todos os níveis, para que “se possa ter clareza” e identificar os males que existem, bem como as “soluções possíveis”.
Já o presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, enviou uma mensagem em vídeo aos participantes, na qual saudou a iniciativa da Igreja Católica e destacou a “forma empenhada” com que ele próprio acompanha o trabalho da Comissão Independente.
A mensagem recordou o que o Papa Francisco afirmou no dia 29 de abril, ao receber no Vaticano os membros da Comissão Pontifícia para a Tutela dos Menores, ao destacar a “independência” desse organismo.
O Papa falou então da “realidade do abuso e o seu impacto devastador e permanente na vida das crianças”, em contraste com “os esforços daqueles que procuram responder com amor e compreensão”.
Em resposta aos jornalistas no final da sessão da conferência organizada pela Comissão Independente do Estudo sobre Abuso Sexual de Crianças na Igreja Católica Portuguesa (CI), José Ornelas disse que quaisquer medidas, mesmo que preventivas, vão depender de uma “credibilidade assegurada” das denúncias e da validação da culpa.
“O processo judicial é sempre acompanhado também de um processo canónico e as pessoas que são culpadas de abusos sexuais de menores evidentemente que não continuam em funções”, disse na Fundação Calouste Gulbenkian, onde decorreu a conferência.
Sublinhou também que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) não tem qualquer conhecimento dos casos concretos denunciados pela CI ao Ministério Público (MP) e qual tal só acontecerá quando a comissão produzir o seu relatório final.
“Nós não temos ainda aquilo que foi para o MP e o que foi para o MP está em segredo de justiça. Não temos informação clara sobre isto”, disse, sublinhando que mesmo perante uma “denúncia credível” a CI “não tem capacidade para dizer que a pessoa é culpada”, lembrando que a comissão sempre frisou não ter um objetivo de investigação criminal.
Defendeu também que não lhe compete tornar público os nomes e rostos dos envolvidos.
“Os nomes e rostos de pessoas não compete a mim dá-los, compete a todo um processo, que só assim é que é verdadeiro, autêntico e realmente capaz de transformar as coisas. Não é na rua, não é num contexto destes que se dá nomes. Esses nomes têm que ser fruto de uma investigação, porque isso é aquilo que também é libertador para as pessoas. Não vamos criar um processo na estrada, porque isso não serviria nem a justiça, nem o direito, nem as vítimas”, disse.
Sobre as centenas de queixas recebidas pela CI que já não podem ser tratadas judicialmente, e questionado sobre o que pode a igreja católica fazer em relação a esses casos, José Ornelas disse que é preciso ter em conta que há pessoas que falaram sob anonimato e assim querem permanecer e que em casos com mais de 40 ou 50 anos passados sobre o crime há pessoas que apenas querem que sejam do conhecimento da igreja e das autoridades e não que deem origem a um processo judicial, pelo qual não querem passar.
O presidente da CEP defendeu que o caminho que a igreja católica tem que fazer nesta matéria é o mesmo que tem que ser feito pela sociedade portuguesa, substituindo uma cultura enraizada de conivência, desvalorização e ocultação do problema, por outra de maior atenção social e prevenção.
“Todos como sociedade temos que fazer um caminho para que as nossas crianças vivam em ambientes mais seguros. Isto não é simplesmente uma questão de leis. Grande parte destes casos passam-se em ambientes familiares e é preciso é criar uma cultura, uma atenção nova, nas escolas, nas instituições, nas vizinhanças, para que possamos ser uma sociedade melhor a todos os níveis. É importante a lei, mas é importante o movimento de consciencialização”, disse.
O presidente da CEP defendeu que a maior consciência atual sobre a questão dos abusos sexuais deve levar a uma nova cultura e abordagem em que se compreende “o caráter devastador que estas coisas têm”.
(Com Ecclesia e Lusa)