Por Renato Moura
Tomou posse o Governo da República, de maioria absoluta. Antes foram poucos e de má memória.
Discursos solenes – de quem confere a posse, ou é empossado – não evitam que maioria absoluta vire poder absoluto. Só as práticas – de exercício ou vigilância – confirmam ou destroem declarações.
O Presidente da República levou o poder socialista ao colo até à maioria absoluta: fica agora politicamente limitado. Tecer um caderno de encargos, torcer a Constituição, considerar o Primeiro-ministro como eleito, ou exigir-lhe cumprimento da legislatura, não amarram António Costa. Dizer tudo e o seu contrário faz perder força de contrapeso.
António Costa, agora tal como em campanha, regozija-se do trabalho dos seus governos. Comprazendo-se com tão pouco, o que esperar? Horror às sempre adiadas e imprescindíveis reformas: na saúde, na justiça, na administração pública, no sistema fiscal, no real combate às desigualdades. Sem se vislumbrarem propostas concretas para o desenvolvimento e o progresso económico; para suster a inflacção; para reduzir a dívida externa. Prosseguir o caminho tortuoso, remendar em vez de construir, é a continuação da corrida acelerada para a cauda da Europa!
Que valor dar ao anúncio do Primeiro-ministro, de diálogo com forças políticas, organizações empresariais e sociais? Atente-se como este Primeiro-ministro nem preza o diálogo interno. Anuncia já um programa de governo e um orçamento prontos, quando acabam de tomar posse novos ministros e secretários de estado! Que lhes resta senão a aprovação formal?! Ou, como num criticado passado, estes ministros também serão meros ajudantes?! Para que vale a qualidade dos governantes, se o Conselho de Ministros não for um órgão de discussão política, de contrabalanço, de estabelecimento de equilíbrios? Para evitar a repetição de incómodos do passado, até o Ministro das Finanças desceu, como nunca, na hierarquia. Não haverá contrapesos indispensáveis no seio do Governo, perante a concentração de poder no topo, com os ministros em falsa coesão, conformados a dobrar a cerviz perante o homem que Marcelo elevou à categoria de herói eleitoral!
Pudera a Assembleia da República ser o contrapeso. Mas das maiorias não há coragem. E às oposições tem faltado alternativa e abundado inacção. As organizações dos parceiros sociais também podem ser contrapesos. E a comunicação social se livre e independente.
Mas não podem os cidadãos deixar por mãos alheias o seu poder e o seu dever moral de intervir. É que, sem contrapesos, o poder é absoluto.