Por Francisco Maduro Dias
Depois de anos a fio, sem procissão de Passos a atravessar as ruas de Angra do Heroísmo, ainda não será esta Quaresma que ela voltará. Só em 2023.
São razões várias as que justificam mais esta demora, no retomar do costume, avultando alguns restos de obras que faltam, na igreja, e a confusão instalada, no Largo Prior do Crato, como a requalificação em curso.
Aquela Igreja, que continuamos a chamar “do Colégio” apesar de não haver lá jesuítas desde meados do século XVIII, que também é conhecida como igreja de Santo Inácio de Loyola, o padroeiro dela, nesses tempos, talvez devesse ser chamada de Nossa Senhora do Carmo, pois é dessa invocação a belíssima imagem setecentista e de vestir, que está na capela mor.
As coisas, porém, são como são, e a Igreja do Colégio continuará a sê-lo, por anos adiante, mesmo sem Colégio e sem Pátio dos Estudos à ilharga.
Acredita-se que as procissões de Passos têm a sua raiz na época das cruzadas e naqueles que, regressados da Terra Santa, entenderam por bem manter o costume de relembrar os Passos do Senhor, já não em Jerusalém, mas nas suas terras da Europa medieval.
Delineavam um percurso, com paragens aqui e ali, devidamente assinaladas por representações dos momentos mais significativos, daquela que se tornou e é descrita como “a Via Sacra”, e os franciscanos terceiros divulgaram e espalharam, por toda a Cristandade, o que é muito interessante.
A Irmandade de Santa Cruz e Passos, de Angra, tem origem no antigo Convento de Nossa Senhora da Graça, ao Alto das Covas, que existiu onde agora é a Escola Infante D. Henrique. Desaparecido o Convento mudou-se para a igreja do Colégio, foi bem recebida pela Ordem Terceira do Carmo, sua dona, e lá está, com todas as alfaias e imagens.
Feita esta introdução recordatória, passemos ao que, no fundo, mais interessa. Que sentido faz andar com um andor às costas, durante hora e tal, pois que o percurso é muito mais pequeno do que antes, quando eram três horas?
Mesmo sendo cristãos e praticantes, nem sempre nos apercebemos ou, melhor dizendo, interiorizamos, o significado do que se passa e renova, em cada ano e, mesmo não sendo praticantes ou crentes, acredito que a Via Sacra é, porventura, um dos momentos de celebração que melhor permite uma coisa rara nos tempos de hoje, rápidos, saltitantes e superficiais. Falo da introspecção, do silêncio interior, dos momentos, sem palavras, que nos reorganizam.
A Cruz não precisa ser, sempre, uma dor e um peso. No entanto é, sempre, para mim pelo menos, a marca da responsabilidade assumida, da escolha dos actos praticados, do fazer e ser!
Uma Cruz não se arrasta! Toma-se, segura-se, transporta-se e segue-se adiante. É o movimento que lhe dá sentido. O que construímos de bem e de bom, à sua Sombra.
Este ano, a Via Sacra será ainda vivida dentro do templo do antigo Colégio, agora devolvido ao uso do povo e dos visitantes, mas, além das palavras rituais e enquanto percorrer os quadros dos Passos, suspensos nas colunas e paredes, lembrarei todos quantos não têm sossego no mundo e, agora, na Ucrânia, fazendo ecoar, dentro de mim, as palavras de S. Francisco: Senhor fazei-me instrumento da Vossa Paz”.
É essa a Sombra que me acompanha.