Ter um emprego em Portugal não é garantia que exclua a pobreza
Mais de 1,6 milhões de portugueses vivem abaixo do limiar da pobreza, ou seja, com menos de 540 euros por mês, uma realidade que afeta famílias numerosas, mas também quem vive sozinho, idosos, crianças, estudantes e trabalhadores.
Ter um emprego não é garantia de não se ser pobre e Portugal está, aliás, entre os países da Europa com maior risco de pobreza entre trabalhadores.
Segundo uma análise feita pela Pordata, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), quando se assinala o Dia Internacional pela Erradicação da Pobreza, em 2020, 9,5% da população empregada em Portugal era considerada pobre, ou seja, vivia com rendimentos inferiores ao limiar da pobreza, que, nesse ano, situava-se nos 540 euros mensais.
Uma situação em que Portugal só é ultrapassado pela Roménia (14,9%), Espanha (11,8%), Alemanha (10,6%), Estónia (10%), Grécia (9,9%), Polónia (9,6%) e Bulgária (9,6%), sendo que em alguns países europeus, no caso a Finlândia e a Bélgica, o risco de pobreza não chega a atingir 5% da população empregada.
De acordo com a Pordata, comparando o ano de 1974 com o ano de 2020, e descontando o efeito da inflação, as pessoas que recebem o salário mínimo nacional (SMN) recebem hoje mais 138,70 euros do que em 74, tendo em conta que nesse ano o SMN seria de 582,60 euros e em 2020 de 721,30 euros.
Trata-se do valor mensalizado, a preços constantes de 2016, obtido dividindo o valor anual (correspondente a 14 meses) por 12 meses.
Já os beneficiários das pensões mínimas de velhice e invalidez do regime geral da Segurança Social recebem praticamente o mesmo, com um aumento de sete euros no valor das pensões.
Com o mesmo cálculo, a Pordata aponta para uma pensão mínima de velhice e invalidez de 260,70 euros em 1974, enquanto em 2020 esse subsídio aumentou para 268 euros.
“Em 2020, mais de 1,5 milhões de pensionistas da Segurança Social recebem uma pensão, de velhice ou invalidez, inferior ao salário mínimo nacional. Assim, quase 80% destes pensionistas viviam com menos de 635 euros [por mês]”, lê-se na análise feita.
Acrescenta que estes dados demonstram a “íntima ligação entre os rendimentos auferidos enquanto se trabalha (ou que não se recebe, no caso de se ter incapacidade para trabalhar) e o que se receberá na velhice”.
A pobreza também está dentro das escolas e em 2019 mais de 380 mil alunos do ensino público não superior tiveram apoio socioeconómico, e quase 223 mil tiveram refeições subsidiadas pela Ação Social Escolar.
“O número de beneficiários destes apoios tem aumentado progressivamente, sendo o ano de 2019 aquele em que mais estudantes receberam apoio socioeconómico desde 1981”, refere a Pordata.
Aponta, por outro lado, que por toda a União Europeia a 27 o risco de pobreza é mais acentuado entre indivíduos sem escolaridade ou com um nível básico, sublinhando que em Portugal cerca de uma em cada quatro pessoas com, no máximo, o 9.º ano de escolaridade é pobre.
O risco de pobreza diminui à medida que a escolaridade aumenta, tanto que em Portugal esse risco atinge os 23,1% entre as pessoas com escolaridade entre o pré-escolar e o ensino básico, baixando depois para 11,8% entre quem completou o ensino secundário ou pós-secundário e caindo para 5,1% nas pessoas com o ensino universitário.
Fazendo a análise por idades, os dados revelam que mais de 17,5% da população com 65 ou mais anos viviam numa situação de pobreza extrema em 2019, no entanto, é entre os jovens até aos 18 anos que a taxa de risco de pobreza é mais elevada depois de transferências sociais, chegando aos 19%.
Entre os agregados familiares, é possível concluir que ter filhos é um fator de pobreza, assim como viver sozinho, sendo que em 2019 quase 40% das famílias compostas por dois adultos e três ou mais crianças estavam em risco de pobreza, por oposição aos 26% entre as famílias com um adulto e uma ou mais crianças.
Viver sozinho também era um fator de vulnerabilidade, que varia consoante a idade da pessoa, já que o risco de pobreza chegava aos 28% entre os idosos com 65 ou mais anos, mas ficava-se pelos 18% entre os adultos com menos de 18 anos.
Apesar de em 2019 haver registo de mais de 1,6 milhões de pobres em Portugal, o Rendimento Social de Inserção (RSI) só foi atribuído a uma ínfima parte desse valor, mais concretamente a 16,7% dessas pessoas, ou seja, 267.389 beneficiários.
Em 2020, foram ainda menos, já que o valor total baixou para 257.939 pessoas, o valor mais baixo desde 2006, sendo que mais de metade são mulheres (52%), e mais de duas em cada cinco pessoas (41%) têm menos de 25 anos. Refere ainda a Pordata que, entre 2010 e 2020, o total de beneficiários decresceu 51%.
No próximo dia 14 de novembro a Igreja celebra o V Dia Mundial do Pobre e o Papa, para sublinhar a importância desta data, visita a cidade italiana de Assis, a 12 de novembro, para um encontro com pessoas desfavorecidas, antecipando a celebração do V Dia Mundial dos Pobres.
Francisco vai encontrar-se, de forma particular, com “um grupo de 500 pessoas pobres de diferentes partes da Europa e passará um momento de escuta e oração com eles”, indica a nota.
O Dia Mundial dos Pobres tem como objetivo “sensibilizar para a escuta do grito dos pobres e sofredores” e diz respeito a “toda a Igreja”, sublinha o Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização.
Na sua mensagem para esta celebração, o Papa alerta para as consequências sociais e económicas da pandemia, pedindo uma nova abordagem na luta contra a pobreza.
“A pandemia continua a bater à porta de milhões de pessoas e, mesmo quando não traz consigo o sofrimento e a morte, é portadora de pobreza. Os pobres têm aumentado desmesuradamente e o mesmo, infelizmente, continuará a verificar-se ainda nos próximos meses”, escreve Francisco.
O Dia Mundial dos Pobres celebra-se anualmente no penúltimo domingo do ano litúrgico, antes da solenidade de Cristo-Rei.
Em 2021, a celebração tem como tema ‘Sempre tereis pobres entre vós’, inspirado numa passagem do Evangelho segundo São Marcos (Mc 14, 7).
O Papa aborda a multiplicação de novas formas de pobreza, questionando discursos políticos que fazem dos pobres “responsáveis pela sua condição” e mesmo um “peso intolerável” para o sistema económico.
Francisco aponta o dedo a agentes económicos e financeiros “sem escrúpulos”, sem “sentido humanitário e responsabilidade social”.
“Um mercado que ignora ou discrimina os princípios éticos cria condições desumanas que se abatem sobre pessoas que já vivem em condições precárias”, acrescenta.
A situação global, indica, foi agravada pela crise da Covid-19, que exige, segundo o Papa respostas concretas para o desemprego, com mais solidariedade social e promoção humana.
A mensagem questiona o tipo de resposta que tem sido dada a milhões de pobres, muitas vezes deixados na “indiferença, quando não a aversão”, defendendo um maior protagonismo dos que são desfavorecidos na criação de novas políticas de solidariedade e a partilha.
Francisco insiste na ideia de evitar a culpabilização das pobres pela sua condição, considerando que este discurso coloca em causa “o próprio conceito de democracia”.
A mensagem do Papa para a celebração de 2021 foi assinada, simbolicamente, a 13 de junho, dia da festa litúrgica de Santo António.
O texto conclui-se com votos de que este Dia Mundial dos Pobres se afirme cada vez mais na Igreja Católica, levando a “um movimento de evangelização”.
(Com Lusa e Ecclesia)