Pelo Padre Teodoro Medeiros
Valerio Zurlini foi um realizador italiano bastante célebre e premiado, amado pelo público que segue de perto o cinema italiano. À data da sua morte, em 1982, tinha arrecadado não menos de oito prémios prestigiosos pelos seus filmes, fazendo parte daquela espécie de segunda linha dos clássicos italianos, logo a seguir aos Fellinis, De Sicas e Pasolinis do meio.
O seu cinema não tem medo de ser político, mas também de retratar as estórias românticas, as contingências humanas, as falhas de caráter dos seus personagens, as corrupções aprovadas socialmente e o seu impacto nos indivíduos. O seu cinema é o de personagens emblemáticos, homens e mulheres que representam toda uma classe, género ou tipo social.
Entre os atores que trabalharam com Zurlini, contam-se estrelas do calibre de Claudia Cardinale, Alain Delon, Jean-Louis Trintignant, Vittorio Gassman, Giancarlo Giannini e o pródigo Marcello Mastroianni. Zurlini teve também uma carreira invejável como argumentista, quer nos filmes que ele próprio dirigiu, quer para outros realizadores, como Vittorio De Sica.
O filme que hoje propomos é “Um Verão Violento”, de 1959, uma obra talvez tocada pelo melodramatismo da época, mas equilibrada pelo valor da tensão não verbal de muitos momentos em que as imagens contam a estória e hipnotizam o cinéfilo. É um dos filmes de guerra (sê-lo-á?) em que a ação militar é pouquíssima e chega no momento necessário. A ação passa-se em 1943.
O primeiro cenário é a praia em Rimini, um contexto aberto, alegre, que será repetidamente contrastado com as dores da paixão e da guerra. O voo rasante de um caça alemão sobre esta será mesmo a pedra de toque para estes dois últimos elementos: é aí que Carlo conhece aquela cujo amor crescerá nele como uma doença mortal.
A primeira parte do filme faz desfilar a vida típica dos jovens que frequentam a praia: namoram, vão ao mar, fumam os despreocupados cigarros sem propósito, veem o tempo passar. Mas quando Carlo se fixa em Roberta, a viúva de um militar um pouco mais velha do que ele, são-nos dados a ver a agonia e o lento desenrolar da paixão crescente.
A incerteza, a traição lenta e a dúvida são filmadas com simplicidade mas em modo arrebatador, em particular a ida ao circo e a cena do baile exploradas com sensibilidade de mestre que deixa cair os seus trunfos exatamente como quer e deixa o espetador sem defesas. Não é um filme masculino ou feminino: o retrato não discrimina e é mais valioso por isso mesmo.
A segunda parte do filme muda o registo: faz-se referência a Mussolini e à queda do fascismo, Carlo tem de enfrentar a obrigação do serviço militar e a violência deste verão cai finalmente sobre o casal. A guerra torna-se um pouco mais explícita, a mão invisível revela-se e quem viveu sob a pandemia reconhece-se no mesmo estar sob as garras de um destino incerto. Porque a desgraça nunca é dada só a quem a merece.
Restaurado recentemente, o filme pode agora ser visto com uma qualidade que não foi possível durante dezenas de anos. O preto e branco é luxuoso, de referência, dando vida a estas imagens e erguendo a experiência a níveis estratosféricos: a sensação que fica, deste ponto de vista técnico, é de que não podia ser melhor, uma revelação.
“Um Verão Violento” é cinema raro, como já não se faz, marcado pelo bom gosto da câmara que é avessa a movimentos desnecessários e regista ainda tudo com mais impacto. Omita por sua própria conta e risco.