“Colocar os pobres à margem, como que fazendo senti-los culpados da sua situação é a antítese da democracia”, afirma Piedade Lalanda

Diretora da Pastoral social na diocese de Angra elogia Francisco na abordagem que faz às novas formas de luta contra a pobreza no pós pandemia

A responsável pela pastoral social na diocese de Angra aplaude “a modernidade” de Francisco na abordagem que faz à exigência das novas respostas para combater o flagelo da pobreza, sobretudo aquela que foi criada pela pandemia, na sua mensagem para o V Dia Mundial dos Pobres, que se celebra a 14 de novembro, intitulada “Sempre tereis pobres entre vós”.

“Aparentemente esta frase pode fazer-nos pensar que a pobreza é uma fatalidade mas o que o Papa quer é chamar a atenção para não cultivarmos a indiferença nem a culpabilização” afirmou Piedade Lalanda ao programa de rádio Igreja Açores.

“O Papa é extremamente moderno quando  vai buscar o exemplo das mulheres que  têm uma sensibilidade, talvez maior, mais trabalhada, para estarem atentas aos que mais sofrem, aos mais frágeis” não que sejam elas que tenham de o fazer mas “é um desafio a toda a humanidade”, esclarece Piedade Lalanda.

A diretora do Serviço Diocesano da Pastoral Social, que acaba de lançar um guia prático dirigido às paróquias, alertando para a necessidade de ser a Igreja a sair em busca dos pobres sem esperar que sejam eles a procurá-la, lembra que o egoísmo e o individualismo são “cúmplices” da pobreza.

“O individualismo é cúmplice  da geração da pobreza e por isso é preciso intervir, com estratégias novas  porque há novas formas de pobreza, muitas delas geradas pela pandemia.Há uma nova realidade que exige novas estratégias, muito assentes na proximidade”, afirma Piedade Lalanda.

“Neste momento é fundamental  refletir sobre o que estamos a fazer não só para combater a pobreza que já conhecemos mas, sobretudo, para intervir junto dos novos pobres” refere ao interpelar:  “onde está a intervenção do Estado, do governo, a intervenção e parceria com as instituições particulares de solidariedade social, inclusive os centros sociais e paroquiais?”.

“A indiferença além de acentuar a realidade da pobreza tem um lado perverso que é culpabilizar os pobres pela sua situação e este é um dos aspoetos que o papa fala: colocar os pobres à margem, como que fazendo senti-los culpados da sua situação é a antítese da democracia”, conclui.

No passado dia 14, o Papa alertou para as consequências sociais e económicas da pandemia, pedindo uma nova abordagem na luta contra a pobreza, numa mensagem divulgada hoje pelo Vaticano.

“A pandemia continua a bater à porta de milhões de pessoas e, mesmo quando não traz consigo o sofrimento e a morte, é portadora de pobreza. Os pobres têm aumentado desmesuradamente e o mesmo, infelizmente, continuará a verificar-se ainda nos próximos meses”, escreve Francisco, na sua mensagem para o V Dia Mundial dos Pobres.

O texto tem como tema ‘Sempre tereis pobres entre vós’, inspirado numa passagem do Evangelho segundo São Marcos (Mc 14, 7).

O Papa aborda a multiplicação de novas formas de pobreza, questionando discursos políticos que fazem dos pobres “responsáveis pela sua condição” e mesmo um “peso intolerável” para o sistema económico.

“ Um estilo de vida individualista é cúmplice na geração da pobreza e, muitas vezes, descarrega sobre os pobres toda a responsabilidade da sua condição. Mas a pobreza não é fruto do destino; é consequência do egoísmo”, disse.

Francisco aponta o dedo a agentes económicos e financeiros “sem escrúpulos”, sem “sentido humanitário e responsabilidade social”.

“Um mercado que ignora ou discrimina os princípios éticos cria condições desumanas que se abatem sobre pessoas que já vivem em condições precárias”, acrescenta.

A situação global, indica, foi agravada pela crise da Covid-19, que exige, segundo o Papa respostas concretas para o desemprego, com mais solidariedade social e promoção humana.

“Não se trata de serenar a nossa consciência dando qualquer esmola, mas antes de contrariar a cultura da indiferença e da injustiça com que se olha os pobres, afirma.

A mensagem questiona o tipo de resposta que tem sido dada a milhões de pobres, muitas vezes deixados na “indiferença, quando não a aversão”, defendendo um maior protagonismo dos que são desfavorecidos na criação de novas políticas de solidariedade e a partilha.

“Impõe-se uma abordagem diferente da pobreza. É um desafio que os governos e as instituições mundiais precisam de perfilhar, com um modelo social clarividente, capaz de enfrentar as novas formas de pobreza que invadem o mundo e marcarão de maneira decisiva as próximas décadas”, sustenta o pontífice.

Francisco insiste na ideia de evitar a culpabilização das pobres pela sua condição, considerando que este discurso coloca em causa “o próprio conceito de democracia”.

“Servir eficazmente os pobres incita à ação e permite encontrar as formas mais adequadas para levantar e promover esta parte da humanidade, demasiadas vezes anónima e sem voz, mas que em si mesma traz impresso o rosto do Salvador que pede ajuda”, refere.

A mensagem do Papa foi assinada, simbolicamente, a 13 de junho, dia da festa litúrgica de Santo António.

O texto conclui-se com votos de que este Dia Mundial dos Pobres se afirme cada vez mais na Igreja Católica, levando a “um movimento de evangelização”.

“Não podemos ficar à espera que batam à nossa porta”, assinala Francisco.

Scroll to Top