Impérios restringem atividades festivas e dedicam esforços à caridade
As festas do Divino Espírito Santo, que no próximo fim de semana e até à Trindade, marcariam de forma festiva as ilhas dos Açores, pelo segundo ano consecutivo não se irão realizar nos moldes habituais.
As comissões, mordomos e irmandades dos impérios foram unânimes em concordar com o adiamento das celebrações do Espírito Santo para este ano, mantendo os domingos como estão, e a oração diária do terço. Acresce também outro lado essencial: as irmandades vão proceder à distribuição das esmolas de carne, pão ou vinho, desde que entregues ao domicílio e evitando aglomerados de pessoas.
A decisão que foi tomada por cada uma das ouvidorias tem por base questões sanitárias e pretende evitar aglomerações de pessoas. Se algum imperador quiser coroar, não pode fazer cortejo, deve evitar convidar pessoas que ponham em causa as restrições ao número de presentes na igreja, nem pode fazer função ou almoço que aglomere pessoas.
É o segundo ano consecutivo em que não se celebram as festas do Espirito Santo nesta ouvidoria por causa da pandemia do covid-19.
Anualmente, as festas do Espírito Santo decorrem um pouco por todo o arquipélago dos Açores, todas as semanas desde a Páscoa até ao Domingo de Pentecostes, em alguns casos, ou Domingo da Trindade, noutros casos.
No geral, durante as festividades semanais realizam-se as “alumiações” – um misto de veneração das insígnias do Divino e de convívio alegre – e canta-se o “pezinho” ao mordomo e às pessoas que realizam generosas ofertas ao Espírito Santo. Nestes festejos podem ouvir-se cantares ao desafio semelhantes ao norte de Portugal.
Em algumas localidades, a sexta-feira é o dia do sacrifício do gado, com vista ao “bodo” que o mordomo, no domingo, ofereceria aos seus convidados.
No domingo realiza-se a primeira procissão que vai a casa do mordomo buscar a coroa, o cetro e a salva, que são transportadas ritualmente por jovens vestidas de branco para a igreja, onde se realiza a cerimónia da coroação.
A bandeira do Espírito Santo, de fundo escarlate com a Pomba-branca bordada, segue sempre à frente na procissão. Estas procissões atualmente são acompanhadas pelas filarmónicas, mas antigamente eram-no pelos foliões.
A sequência ritual das festas do Espírito Santo permite um conjunto de refeições, dádivas e distribuições de alimentos cerimoniais às populações. Nestas dádivas estão incluídas em algumas localidades, as Sopas do Espírito Santo – feitas à base de carne de vaca cozida e de fatias de pão de trigo – diversas variedades de pães e de massa sovada, biscoitos e doces. Estas sopas são oferecidas pelo mordomo a toda a população.
As festas do Espírito Santo têm bastante significado nos Açores, embora de ilha para ilha existam algumas diferenças nos festejos.
Na ilha Terceira, as festas em honra da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade têm uma força “muito original” e são vividas sobretudo na zona do Ramo Grande (ouvidoria da Praia), onde a economia continua a ser predominantemente agrária, sendo bastante conhecidos, por exemplo, os impérios da Vila Nova e das Lajes pelo número de pessoas envolvidas.
A capacidade de inculturação numa cultura agrária explica, de resto, a sua permanência tão viva nos Açores: a valorização da terra de onde vem o trigo e o milho a partir dos quais se faz o pão, o vinho e a carne, aspetos nos quais se materializam os dons do Espirito Santo.
A peculiaridade principal deste culto no arquipélago é ser popular e desenvolver-se sob a forma de império, com uma uma forte carga profética e política, sem qualquer pretensão de imitação de papéis ou destituição de poderes.
Na ilha Terceira, o culto do Espírito Santo está documentado desde 1492, data em que já se fazia o Império e se distribuía o bodo, no dia de Pentecostes, à porta de uma capela pertencente ao hospital do Espírito Santo.