Por Renato Moura
A chamada «Operação Marquês» iniciou-se com o público a assistir pela TV, com surpresa, à detenção de um ex-Primeiro-ministro. Mais de 6 anos depois volta à TV pela mão do Juiz de Instrução (JI) Ivo Rosa, ao resumir a decisão após instrução do processo. Duas acções e duas leituras, inteiramente opostas, sobre José Sócrates: aquela pareceu a sua condenação; esta por alguns tomada como a sua absolvição. Ambas erradas face à justiça!
A decisão do JI é legítima: ouvida mais de três horas surpreendeu o comum dos cidadãos; e isso não é despiciendo. A justiça é para ser entendida.
O Ministério Público (MP) acusara muitos arguidos e descortinara indícios de 189 crimes. O JI encontrou menos arguidos e indícios de só 17 crimes. Com espanto, pareceu o MP querer punir inocentes com crimes inexistentes ou prescritos. Em respeito pela justiça seria um assombro se um JI quisesse anular a indiciação de crimes e arguidos, ou se houvesse competição entre juízes. Seria igualmente estupefacto: se um JI acobertasse erros nas acusações do MP; ou se outro exagerasse na sobrevalorização da defesa dos arguidos.
Certas afirmações de Ivo Rosa e a adjectivação utilizada, inegavelmente causam perplexidade. Mancharão os procuradores, ou quem as proferiu; ou todos. Surpreende se se acreditar: haver diligências não realizadas, a acusação do MP primar pela falta de prova, ou de rigor; se for parcial e omissa; vaga e inconclusiva. É de pasmar se a acusação do MP fosse baseada na especulação e na fantasia.
Ao comum dos cidadãos, mas não só, pareceu tratar-se dum pré-julgamento. Ivo Rosa não se ficou pela legitimidade da sua visão das prescrições, mas ainda dos indícios. A dúvida sobre a irregularidade na distribuição de processos, não é simples espavento, mas pareceu querer meter-se o tribunal, em tribunal! E o que pensar dos obstáculos à tributação dos rendimentos ilegítimos?! E a subida valoração dos testemunhos de pessoas próximas dos arguidos? E sobre o quanto se exigiria para admitir influência do Poder político?!
Causa-nos perplexidade sentir a justiça abalada, ou concluir pela existência de problemas dentro do sistema. Mas não pode permitir-se o arrasamento do MP.
Temos direito ao nosso juízo.
Porém, ao contrário do que José Sócrates quer convencer-nos, ele continua acusado de crimes pesados. E o Tribunal da Relação apreciará o recurso do MP. O julgamento final isento acontecerá. Infelizmente demasiado tarde para travar esta corrosão da justiça, que, todavia, nunca poderá deixar em causa o estado de direito.