Por Carmo Rodeia
É óbvio que vivemos numa crise pandémica e numa situação de catástrofe como esta é preciso cuidar dos feridos que os saudáveis tratam de si. Mas na verdade quem são os saudáveis e por quanto tempo…
Uma das grandes lições desta pandemia é que o conhecimento é indispensável para o progresso. Portugal tem andado a correr atrás de prejuízo e quando (re)agimos já vamos com atraso porque entre a avaliação, a decisão e a concretização das medidas já passou tempo demais e aquilo que decidimos já está desajustado.
Se não soubermos fazer as perguntas certas no momento certo, e não conseguirmos decidir a tempo, as nossas respostas serão sempre insuficientes. Qualquer jornalista, que goste de fazer entrevistas, sabe que é assim: a oportunidade de voltar a entrevistar aquela fonte, é diminuta.
Quem decide ainda tem uma espada maior sobre a cabeça. Porque se trata do bem comum e de tomar decisões por todos.
Sabemos, por outro lado, que o custo da ignorância, e das suas consequências, é infinitamente maior que o do conhecimento.
O que esta pandemia nos veio mostrar neste domínio, em particular, é que o conhecimento tem de ser um aliado da decisão. Ouvir muitos, ao mesmo tempo e na praça pública, sobretudo em questões de saúde que poucos conseguem compreender na sua totalidade, para além da doença ou da saúde, gera ruído desnecessário e cria um sentimento de insegurança e de intranquilidade que não devem ser acrescentados ao pânico da impotência diante de um bicho que já provou, nas suas diferentes variantes e mutações, que é muito mais esperto do que o homem.
Por exemplo, se há certeza que temos, para além dos números da nossa desgraça é que Portugal, depois desta pandemia, vai ficar pior. Não tenho jeito para profeta e muito menos profeta da desgraça mas se já éramos um dos países mais desiguais da Europa, esta pandemia vai agravar ainda mais essa desigualdade a todos os níveis da vida e, francamente, não sei se teremos decisores à altura de tomar as medidas certas para as corrigir.
Pragmaticamente olho para o espectro político e não vejo opções a menos que o Presidente da República possa abandonar por uns momentos uma espécie de populismo dos afectos (que não discuto nem enjeito porque faz falta!) e comece a pôr o dedo na ferida. Tem capacidade e qualidade para o fazer; não sei é se terá vontade. Os afectos são importantes mas têm de ser acompanhados de gestos e sobretudo de decisões concretas que possam ir para além da espuma dos dias e da fotografia ou do soundbite para as televisões.
Neste contexto guardo um lugar importante para a comunicação social.
O papa acaba de divulgar a mensagem para o 55º Dia Mundial das Comunicações Sociais da Igreja e lança quatro grandes desafios aos jornalistas: sair das redações e ir ao encontro do terreno e dos protagonistas com desassombro; atender às histórias dos mais frágeis; evitar a sedução das redes sociais e questioná-las e não embarcar em juízos precipitados.
É fundamental que o jornalismo que hoje se faz saia das redações- “gaste sola de sapatos”, como diz o Papa- e conte histórias que ajudem a compreender os fenómenos sociais mais graves e consiga, ao mesmo tempo, destacar “as energias positivas que se geram nas bases da sociedade”.
Na mensagem com um título sugestivo- “Vai e Verás”- inspirado no Evangelho de São João, onde se conta o modo como alguns discípulos encontraram Jesus, Francisco, de forma lúcida e perspicaz, denuncia uma informação pré-fabricada a partir das agências, oficial, auto-referencial e cada vez menos em sintonia com a verdade e a vida concreta das pessoas. Numa frase: faltam historias que cheirem os alugares de pertença.
Francisco não tem uma visão catastrofista da situação; apenas lembra que é preciso fazer mais, muito mais. E sublinha, particularmente, que a pandemia é um desafio da atualidade e um convite a ir e ver. Não para narrar números ou para aderir à narrativa propagandística do poder, mas para denunciar. Não basta fazer a contabilidade da situação ou abrir o microfone a meia dúzia de peritos.
Francisco chama a atenção de todos, crentes e não crentes, para dimensões da comunicação que são, por vezes, pouco valorizadas e que são exemplo do que Jesus pregou.
“Aos primeiros discípulos que querem conhecer Jesus, depois do seu Batismo no rio Jordão, Ele responde: ‘Vinde e vereis’, convidando-os a permanecer em relação com Ele”, refere Francisco na mensagem, sublinhando que “a verdade da pregação de Jesus, mas sobretudo a eficácia daquilo que dizia, [que] era inseparável do seu olhar, das suas atitudes e até dos seus silêncios”, para concluir: “A palavra só é eficaz, se se ‘vê’, se te envolve numa experiência, num diálogo”.
A raiz do Cristianismo está aqui e por vezes sinto que nos afastamos disso todos os dias. Como se fechássemos os olhos quando nos é pedido para os termos bem abertos porque não podemos, nem conseguimos, suportar todos os que geram ódio, sofrimento e morte.
Na parábola do Samaritano o que Deus nos diz , através de Jesus, é que tudo se conforma no encontro e na relação nomeadamente com os que não sendo do nosso círculo se fazem próximos porque estamos disponíveis para os olhar como irmãos: os oprimidos, os doentes, os excluídos , os que fogem, os que são discriminados. Quem nos coloque contra eles não é a voz de Deus, por mais que se sinta eleito, se fotografe em igrejas ou tenha sempre Deus na ponta da língua.
Dar-lhe protagonismo é fazermo-nos próximos desses quando deveríamos era ser próximos dos que eles combatem.
Regresso à mensagem do Papa para o Dia Mundial das Comunicações Sociais que termina com uma oração. E a última prece é : “Concedei-nos a graça de reconhecer as vossas moradas no mundo e a honestidade de contar o que vimos”.
É preciso ir mesmo além da urgência dos dias. E dos noticiários, em prime time.