Documento reflete a auscultação feita pelo prelado numa visita pastoral que tocou as nove ilhas, e as 165 paróquias da diocese, entre janeiro de 2017 e janeiro de 2021
A Carta Pastoral, sob o lema “Jesus percorria cidades e aldeias, ensinando e caminhando para Jerusalém” (Lc 13,22), é dirigida ao clero, aos religiosos, consagrados, leigos, serviços e movimentos, e “às pessoas de boa vontade”, em pleno tempo de Caminhada Sinodal (que está no seu segundo ano), e tem como objetivo “oferecer algumas reflexões” em ordem à “edificação de uma comunidade cristã cada vez mais à maneira de Jesus Cristo”.
“Perante todos os açorianos que procuram comprometer-se na causa da edificação de uma sociedade mais justa e digna do ser humano, ofereço também o meu contributo para em conjunto alcançarmos uma humanidade nova promotora dos verdadeiros valores, do bem, da justiça, da paz, da fraternidade, na verdade e no amor” refere o bispo de Angra.
O texto, organizado em 14 pontos percorre cada uma das áreas pastorais seguindo uma estrutura que começa com um diagnóstico, apresenta depois uma fundamentação teológica a partir dos documentos do magistério e termina com uma sugestão ou um apontar de prioridades de ação.
Nos 14 pontos, em que toca todos os serviços e ações pastorais da Igreja, D. João Lavrador reflete sobre muito do que viu e ouviu nas várias visitas pastorais que decorreram entre janeiro de 2017 e janeiro de 2021, num verdadeiro périplo pela diocese apenas interrompido pela Pandemia. Aliás, o prelado faz de imediato referência a esta situação que o obrigou a interromper a visita que agora terminou à ilha Graciosa.
“Tal como todos os cidadãos, fui surpreendido pela pandemia do Covid/19 que forçou à interrupção da visita pastoral, tal como a muitas actividades, inclusivamente religiosas” começa por referir o prelado.
“As nossas comunidades sofreram e alteraram os seus hábitos; os serviços de saúde e de protecção civil foram pressionados perante a necessidade de respostas para acudir às situações graves de doença; os governantes foram ensaiando respostas para articular a saúde com as diversas realidades da vida social e económica” salienta deixando uma palavra de esperança.
“No meio do sofrimento e do medo, despertou muita generosidade e confiança num futuro que nos mobiliza a todos para que seja verdadeiramente humano. Colhi na esperança o enorme esforço que se está a realizar na Região dos Açores, a disponibilidade e generosidade de grande número de pessoas, o sacrifício e dedicação de muitos que se entregam pelo engrandecimento da dignidade humana e pela edificação do bem comum” refere.
“Para todos fica a minha palavra de gratidão, de reconhecimento e de apoio ao seu esforço” diz ainda D. João Lavrador.
Um apelo a um maior diálogo entre as comunidades cristãs e a sociedade
No primeiro ponto da carta Pastoral, a primeira que escreve como bispo titular da diocese, aborda a questão da cultura e salienta as dificuldades de diálogo entre a igreja e a cultura, sobretudo nestes tempos modernos, marcados por uma resistência partilhada.
“A primeira preocupação que apresento tem a ver com a cultura atual e a dificuldade de abertura quer da comunidade cristã à cultura de hoje quer da cultura aos valores essenciais e fundamentais da pessoa humana que lhe são dados pela Revelação”, destaca. D. João Lavrador fala, por isso, da necessidade de uma mudança da mentalidade pastoral que “não significa uma pastoral relativista”.
“Exige-se de cada comunidade, de todos os agentes pastorais, nomeadamente das estruturas de corresponsabilidade e comunhão, como é o Conselho Pastoral, e cada um dos grupos e movimentos apostólicos, que dediquem tempo para a análise do contexto cultural em que vivemos e, com verdadeira sabedoria cristã que brota da intimidade com Jesus Cristo, captar as linhas de força de atuação para responder evangelicamente ao tempo em que vivemos”.
“Esta é sem dúvida uma tarefa pastoral prioritária sob pena de não encontrarmos ambiente capaz de acolher a evangelização” denota o prelado, chamando a atenção ao Serviço Diocesano da Pastoral da Comunicação para “continuar a promover uma autêntica comunicação social, segundo as orientações da Igreja”. Por outro lado, refere que os bens culturais da Igreja devem ser preservados e valorizados.
“Sob a orientação do Serviço Diocesano dos Bens Culturais, as paróquias devem promover o restauro, a conservação e recuperação dos bens culturais degradados, bem como promover acções de formação para as pessoas que estão mais relacionadas com o seu uso”, refere a Carta Pastoral alertando para a necessidades das igrejas estarem abertas “para que as pessoas possam aí rezar, visitar ou simplesmente entrar para nelas encontrar alguém que as acolha”.
O desafio de uma igreja mais presente no mundo
No segundo ponto da Carta Pastoral, que cita abundantemente os documentos do magistério, o bispo fala da Igreja que serve a pessoa e a sociedade, sublinhando que “a Igreja deve estar onde estão as pessoas humanas colocando-se sempre na defesa da dignidade humana e da edificação do bem comum”.
O bispo de Angra alerta para “um décifit” de participação de cristãos “nos lugares e domínios onde se decidem os projetos para a vida das pessoas, na dimensão política, social, cultural, educativa, laboral” e pede mais intervenção comunitária, com um apelo à Comissão Diocesana Justiça e Paz.
“Deixo uma palavra de estímulo à Comissão Diocesana Justiça e Paz de modo a que continue a oferecer a sua reflexão segundo a doutrina social da Igreja, iluminando, deste modo, as diversas realidades do mundo e oferecendo a luz do Evangelho aos que anseiam pela sua dignidade e pela promoção do bem comum” refere D. João Lavrador.
No terceiro ponto, o prelado discorre sobre a comunidade cristã como primeiro agente evangelizador, um carisma que se foi perdendo com o passar dos séculos.
O responsável pela diocese insular apela, por isso, à promoção de “verdadeiras comunidades cristãs”, tarefa que é “sem dúvida uma das principais tarefas de todos os responsáveis pela vida das nossas paróquias”.
“Sem elas não é possível evangelizar” salienta indicando que é urgente “passar de um rosto de paróquia enquanto local de serviços religiosos para uma expressão de verdadeira comunidade”.
“A exemplo de Jesus Cristo, a comunidade cristã é chamada a edificar-se através do anúncio, da celebração litúrgica e da partilha fraterna. Estes sectores da vida comunitária devem merecer o máximo de atenção e de valorização pastoral”, refere deixando pistas para cada um dos sectores, desde a catequese, à liturgia sem esquecer a caridade.
Uma Igreja ao jeito do bom Samaritano, dentro e fora de portas
O “setor da partilha fraterna é o que se apresenta mais enfraquecido. Conta-se com a Cáritas de Ilha e com algumas experiências de Conferências Vicentinas, Centros Sociais e Misericórdias” diz o bispo de Angra.
“Não poderá haver qualquer dúvida de que é uma área pastoral absolutamente necessária para a identidade de cada comunidade cristã. Por isso, pede-se um esforço por promover a partilha fraterna em cada paróquia” refere.
“Estejamos certos de que a credibilidade da Igreja, de cada comunidade cristã e de cada cristão, está no modo como se acolhe e se partilha com os pobres e excluídos”, conclui, elogiando o “muito bom trabalho” que têm realizados o Serviço Diocesano da Pastoral Social e a Comissão Diocesana da Pastoral da Saúde. Contudo, “dadas as continuas emergências sociais, exige-se uma permanente atenção e mobilização de todas as comunidades cristãs para responderem às situações de pobreza e exclusão social”. O mesmo apelo faz à Comissão da Mobilidade Humana, “dado que estamos numa Região de muita emigração”.
No ponto 4 fala para dentro da Igreja, com questões relacionadas com a organização territorial e estrutural das várias estruturas da Igreja, desde a paróquia à ouvidoria, deixando no ponto 5 uma referência concreta a uma maior articulação entre os Movimentos de apostolado e a ação da paróquia. Sobre os Movimentos que “estão muito enfraquecidos”, D. João lavrador pede “ um novo impulso nas diversas paróquias da diocese”, com um especial empenho “dos sacerdotes”.
No ponto 6 regressa a um tema que lhe é caro e que tem a ver com uma igreja ministerial, em que todos se sintam corresponsabilizados na missão de evangelização.
“Na maior parte das nossas paróquias, estamos ainda numa dinâmica religiosa com pouco rosto comunitário e em consequência também muito limitada na corresponsabilidade de todos os batizados na missão da Igreja”, reconhece D. João Lavrador pedindo uma nova dinâmica vocacional de todos os batizados. A começar pelos ministros ordenados.
“Os presbíteros da nossa diocese são chamados a serem no meio do mundo profetas de realidades novas e não ter medo de serem sinal de contradição perante o mundo que oferece outros critérios e valores para a vida do homem de hoje”, afirma D. João Lavrador, deixando uma mensagem critica.
“Ainda somos muito `presbíteros`, pessoas a viver e a trabalhar isoladas dos outros; tantas vezes em atitude de rivalidade, de maledicência, de autorreferencialidade e criticismo. É urgente e primordial para um verdadeiro testemunho de comunhão eclesial, à maneira dos Apóstolos, que progridamos na edificação de um presbitério a viver na comunhão e na unidade”, avança o bispo pedindo “partilha económica entre os presbíteros, meios espirituais e de formação permanente, tendo em conta a dimensão humana, espiritual, intelectual e pastoral”, em ordem a “uma identificação mais nítida a Jesus Cristo, o Bom Pastor”.
A urgência da formação exigente e completa
Na Carta Pastoral o bispo de Angra dedica também uma parte significativa do texto à pastoral vocacional com vista ao sacerdócio; à promoção do diaconado permanente (que considera insuficiente na diocese); à valorização da Vida religiosa e à formação dos leigos com vista a uma participação mais empenhada e esclarecida.
É de resto no ponto 7 desta primeira Carta Pastoral assinada por D. João Lavrador e que, orientará muito do que vai ser a Caminhada Sinodal, que o prelado fala da formação cristã dos leigos, como sendo tarefa “da máxima importância e urgência”, mandatando a Vigaria da Formação e o Instituto Católico de Cultura para “animar, coordenar e oferecer itinerários de formação adequados às realidades das diversas comunidades cristãs”.
“Sem dúvida teremos também de mencionar o que é de riqueza formativa o facto de contarmos com o Seminário Maior como Escola Superior de Teologia”, frisa ainda.
No ponto 8, D. João Lavrador regressa ao tema da Caminhada Sinodal para nomear “um novo estilo de vida pastoral”, lembrando que “não estamos perante um acontecimento solto da vida das comunidades cristãs” mas, com ela, “somos interpelados por um novo rosto da Igreja na qual cada batizado tome consciência da sua participação na Eucaristia e na comunidade e reconheça que tem um papel ativo na missão da Igreja”.
“Esta é a hora que ninguém deve negligenciar sob pena de se afastar dos desígnios que Deus revela para a Igreja de hoje” reafirma D. João Lavrador sublinhando que “estamos perante um itinerário que exige desinstalação, humildade, capacidade de escuta, de atenção aos Sinais dos Tempos, de aprofundamento da Palavra de Deus e de intimidade com Cristo, de discernimento e de coragem para propor o Evangelho de Jesus Cristo”.
No ponto 9, o prelado aponta os caminhos para a valorização da piedade popular, “uma grande riqueza religiosa do povo açoriano” e que, por isso, se torna “ num meio importante para a evangelização”.
“Temos o dever de prestar a devida formação de modo a que a piedade popular se torne agente de evangelização; suscita-nos o esforço necessário para acompanhar pastoralmente a piedade popular de modo que ela conduza à integração comunitária e à centralidade da Eucaristia dominical” denota D. João Lavrador.
Reconhecendo que apesar da dimensão das ilhas há, claramente, uma realidade diversa, sobretudo nos grandes centros urbanos como são Ponta Delgada e Angra do Heroísmo, apela a que se faça uma distinção entre as exigências da pastoral urbana e a rural.
“A nossa diocese não conta com cidades de grande dimensão, contudo, à sua medida, o fenómeno da desertificação das aldeias e a deslocação para as cidades também marcam a nossa demografia”, refere.
“Todos os agentes pastorais que se integram nos órgãos de participação e corresponsabilidade nas paróquias urbanas deverão refletir sobre novos modelos de atuação pastoral, como nos interpela a nova evangelização, para responder à evangelização das nossas cidades”, afirma.
“Esperamos que a caminhada sinodal, a seu tempo, possa ajudar a encontrar resposta a estes desafios pastorais” salienta lembrando que é necessário “articular a vida pastoral com a realidade das paróquias rurais, tantas vezes desertificadas, com falta de gente ativa, muito idosa, onde já não há estruturas sociais e de expressão de vida comunitária, presas a tradições muito válidas mas com dificuldade de renovação”.
Duas encíclicas na mira da ação pastoral: Laudato si e Fratelli Tutti
Os dois antepenúltimos pontos- 11 e 12- centram-se em dois conceitos muito sublinhados na nova Encíclica do Papa Francisco- Fratelli Tutti– que são a “fraternidade universal e a amizade social”.
Em `edificar uma sociedade de amizade cuidando da casa comum´ e `acompanhamos o sonho missionário do Papa Francisco´, pontos 11 e 12, respetivamente, D. João Lavrador lembra a importância da “coerência” entre o evangelho das bem-aventuranças e o estilo de vida dos cristãos, que constitui “o principal testemunho” para a sociedade, e pede menos “desavenças, injustiças, injúrias, calúnia, maledicências, domínio, exploração, ódio e guerrilhas” entre cristãos. Em contraponto desafia a promoção de comportamentos que conduzam “à amizade, na qual seja perceptível a igualdade, a partilha, a inter-ajuda, a promoção do mais débil, a inclusão, o perdão, a justiça, a misericórdia e a paz”, com uma especial atenção à natureza.
“As Ilhas que compõem a Região Autónoma dos Açores são de rara beleza natural que importa preservar, defender e cuidar. Esta exigência é colocada aos poderes públicos, mas também a cada comunidade e a cada cidadão, a começar por cada cristão” refere sublinhando que “estamos perante o que de mais genuíno nos interpela a doutrina social da Igreja perante a qual todos nós somos chamados a conhecer e a atuar”.
A Carta Pastoral termina com o retomar do apelo inicial no sentido da criação de uma verdadeira comunidade cristã que seja capaz de testemunhar, por gestos, às pessoas e à sociedade, o verdadeiro rosto de Jesus. Finalmente, no último tópico, desta Carta pede-se a intercessão de Nossa Senhora não só para a Caminhada Sinodal que a diocese está a viver mas também para todos os açorianos, nesta hora de “sofrimento, perplexidade” mas “de esperança”.
A Carta termina com uma oração.