Igreja tem de dar respostas adequadas ao tempo, sem descurar os valores essenciais
Os cristãos açorianos consideram positiva a realização do Sínodo sobre a Família e registam “a franqueza” e a “forma alargada” como a igreja está a encarar as respostas pastorais perante a família de hoje.
Questionados pelo Sítio Igreja Açores sobre os temas principais da Assembleia Extraordinária do Sínodo sobre a Família, que amanhã se inicia em Roma, juntando 253 pessoas, entre as quais casais de todo o mundo, que juntamente com os bispos e o Papa vão analisar e discutir o documento de trabalho que resultou da consulta a todas as dioceses do mundo no final do ano passado, cinco leigos sublinham a importância desta reunião.
“Penso que o objetivo é facilitar a aproximação de cada pessoa a Deus e a forma como a Igreja pode ajudar a família a ser espaço de vivência e transmissão de fé, na dupla vertente de estrutura humana e pastoral” diz Maria do Sameiro Amaral, advogada e membro da equipa diocesana da pastoral da família e laicado.
“As minhas expectativas são de dois tipos: em primeiro lugar, que sejam definidas as actuações concretas a desenvolver a curto prazo nos campos onde há necessidade de modificar a prática, como a catequese infanto-juvenil, demasiado repetitiva e alheada dos desafios quotidianos e, em segundo lugar, que seja claramente identificado e valorizado o que é fundamental e estruturante da identidade cristã dos indivíduos e das famílias”, realça Margarida Lalanda, professora auxiliar na Universidade dos Açores, no Departamento de História e Ciências Sociais.
A investigadora, em história, sublinha, ainda que “mesmo em tempo de crises, é dentro da família que se criam e continuam a fortalecer os valores cristãos que se deseja que construam as identidades individuais e a vida em sociedade: solidariedade, confiança, esforço, verdade, generosidade, esperança, partilha, aperfeiçoamento, respeito mútuo, responsabilidade pessoal e comum, construção consciente de um todo que é uno e único”.
O sínodo dedicado à família, que decorre até ao próximo dia 19, marca o arranque de um longo processo, que só terminará no próximo ano onde questões como o casamento, a moral sexual e a evangelização, tendo como ponto de partida a família são alguns dos temas que vão ser analisados.
As conclusões destas reflexões dos bispos e especialistas só devem ser conhecidas após a publicação de uma exortação pós-sinodal que, provavelmente, resumirá os dois sínodos e, por isso, não deve surgir antes de 2016.
João Carlos Leite, responsável pelo Movimento Romeiros de São Miguel, em declarações ao Sítio Igreja Açores frisa que hoje a Igreja “enfrenta um complexo e, por vezes, sinuoso caminho para encontrar opções que manifestem o valor primordial do Evangelho no contexto atual das exigências doutrinais e disciplinares no que concerne à realidade da Família”.
Por isso, entende que “será necessária uma leitura orante recíproca: a Igreja necessita orar a partir da família e vice-versa” pois “a Santa Igreja é mãe e mestre de Família e a Família é a célula da Igreja”.
“Todos os tipos de família são um laboratório de Igreja. E toda e qualquer família necessita de beber da escola de comunhão da unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade da Igreja”, sublinha ainda este leigo.
Gabriela Canotilho, membro da equipa diocesana da pastoral da família e laicado acentua “a necessidade de colocar a familia como prioridade da igreja, uma realidade que tem de ser debatida e pensada”.
Quanto ao sínodo está “expetante” e “francamente não espero nada que seja contra a doutrina da igreja que há muitos séculos já deu orientações claras. As coisas evoluem, sempre foi assim, e cá estamos para evoluir com elas, na medida em que forem tomadas pela santa igreja”.
Tomaz Dentinho, professor da Universidade dos Açores, espera que este Sínodo permita “falar ao coração para que se ultrapasse a confusão de linguagem sobre os temas da família” e, sobretudo, que a família seja “uma realidade intrinsecamente dinâmica e desafiante onde a graça, o amor, o perdão são humanos e naturais. É na família, mais ou menos alargada que se resolvem as questões dos separados, divorciados, recasados, uniões do mesmo sexo, e matrimónios irregulares”.
De resto, estes são os temas mais mediatizados deste Sínodo, o que já mereceu uma nota do secretário-geral do Sínodo, Cardeal Baldisseri, que afirmou esta sexta-feira que este encontro servirá para falar da família e sugeriu que os meios de comunicação social não se deviam concentrar só em temas “especificamente ocidentais”.
Questionado sobre o facto de o instrumento de trabalho, o documento que serve de base aos trabalhos do Sínodo, dedicar pouco mais de uma página ao tema dos divorciados e recasados, o cardeal respondeu que o Sínodo quer “falar da família e não do divórcio” pelo que não se deve “monopolizar” os media com “temas do ocidente”.
Mas o responsável do Vaticano, acrescentou que “a Igreja deve abeirar-se de todos estes problemas com misericórdia, como disse o Papa”, pese embora tenha deixado claro que o debate tem por objectivo apresentar a “doutrina autêntica da Igreja”, no “contexto presente”, que ao longo das últimas décadas sofreu grandes alterações.
A este propósito, Maria do Sameiro Amaral, sublinha “de uma forma particular” o discurso do cardeal Walter Kasper no último Consistório que, a seu ver “ enquadrou muito bem a questão dos divorciados em 2.ª união”, por exemplo “na medida em que não reduziu apenas à questão da admissão à comunhão, antes iniciou o seu pensamento por uma apreciação genérica da família e da misericórdia de Deus”.
“Penso que também se deveria avançar na questão da sexualidade conjugal, por forma a não constituir a doutrina da Igreja um constrangimento na vida do casal ou motivo de afastamento da participação dos sacramentos”, sublinha.
“Por tudo, gostaria de ver promovida uma evangelização que permita criar lares luminosos e alegres, onde as várias gerações se encontrem e ajudem”, conclui.
Tomaz Dentinho lamenta que pouco se fale sobre Família” e, até, “mais grave é que o termo seja muitas vezes confundido. Tomam-se as famílias como grupos de residentes em vez de pessoas que podem ou não viver na mesma residência”.
O Sínodo sobre a familia começa amanhã com a realização da Assembleia Extraordinária, que se prolonga até dia 19.
Cada dia será dedicado a um tema diferente, seguindo a ordem do instrumento de trabalho e as sessões abrirão sempre com uma apresentação de um dos casais que se encontram presentes, na qualidade de auditores.
O Papa estará presente durante os trabalhos do sínodo e poderá intervir sempre que achar conveniente.