Sacerdote é o prior desta paróquia e reclama das autoridades uma maior atenção à protecção da saúde da população
Desde as zero horas desta quarta feira que a vila piscatória de Rabo de Peixe, na ilha de São Miguel, se encontra debaixo de uma cerca sanitária imposta pela autoridade de saúde na sequência dos 61 casos positivos numa população que não chega aos 10 mil habitantes.
“Percebemos esta cerca mas ela pode ser mais um estigma a cair em cima deste povo, que precisa sobretudo de educação para a saúde. Tão importante como impor uma cerca sanitária é apostar e cuidar da saúde da nossa população” refere o padre Francisco Zanon, desde setembro o novo pároco de uma das freguesias mais populosas dos Açores.
“Temos de consciencializar a população sobre a importância de combater comportamentos de risco” esclarece lembrando que isso é difícil quando “há hábitos de convívio social e comunitário muito enraizados”.
As pessoas “vivem muito na rua, encontram-se e são festivas” lembra dizendo que é na educação que “está a chave” para “resolver alguns problemas”, que não são poucos.
Ontem faleceu uma jovem de 20 anos, vítima da Covid-19. Era uma jovem mas “tinha graves problemas de saúde” que poderão “não ter sido suficientemente valorizados pela própria e que diante de um vírus agressivo acabou num óbito” refere, ainda.
“Julgo que agora com esta medida, e com as notícias, as pessoas poderão estar mais recatadas e conscientes, porque têm medo, desde logo” acrescenta lembrando que isso percebe-se na igreja.
“A prática dominical é baixa mas agora nota-se que as pessoas ficam mais em casa, ainda mais recolhidas, e não andam tanto nas ruas. Sente-se algum medo e isso também não é bom”, destaca, por outro lado, o padre Francisco Zanon.
“Nós ajudamos no que podemos: esclarecemos e apoiamos mas, na verdade, nem sempre é fácil. Na igreja temos gel desinfectante e máscaras. Ninguém está dentro da Igreja sem elas. Mas depois perdemos o rasto às pessoas e não conseguimos controlar os seus movimentos”, acrescenta.
A catequese, do primeiro ao 10º ano, mobiliza cerca de 1400 crianças e até dezembro continuará a ser feita online. Sobre a adesão e eficácia desta medida reconhece: “há turmas que funcionam bem; outras admito que corram menos bem. Mas até ao final de dezembro terá de ser assim porque são estas as regras em vigor”.
Temendo um isolamento social ainda maior desta freguesia, sempre noticia pelas piores razões- elevada taxa de Rendimento Social de Inserção; elevado abandono e insucesso escolar; níveis de pobreza elevados; uma alta taxa de alcoolismo e outros comportamentos aditivos-, o padre Francisco Zanon pede ás autoridades para olharem para este lugar de maneira diferente. A começar pela saúde.
“Há muito tumulto em cima de um vírus que é contagioso e deve ser levado a sério, com responsabilidade e comportamentos responsáveis de todos. No entanto, as autoridades devem cuidar da saúde e da imunidade do seu povo com medidas sanitárias mas que não afetem tanto a vida das pessoas”, refere.
“É preciso ter cuidado com o alarme social” adverte.
O aumento de casos de covid-19 motivou a implementação de uma cerca sanitária em Rabo de Peixe, mas, na vila piscatória, o mau tempo que impede os homens de pescar preocupa mais do que as restrições.
“A vida aqui custa”, afirma Dino Penacho, pescador, de 32 anos, em declarações à Agência Lusa.
Hoje, o porto esteve vazio, e nas ruas apenas há fila para o banco e pequenos ajuntamentos junto aos cafés, mas longe da habitual azáfama. As pessoas que circulam apressam-se a justificar o seu propósito – vão às compras, ao banco ou só arejar.
“’Tá’ mesmo muito difícil. Veio o mau tempo, sem a pesca a gente não vive nesta terra […]. Eu tenho uma mulher e dois meninos para sustentar. ‘Tá’ muito ruim. Nestas alturas, é a minha mãe às vezes que me ajuda. E as minhas irmãs, que estão no Canadá. Elas mandam uma esmola que é para a gente comer”, conta Dino.
Se a situação não estava fácil, “cada vez está pior” com o aumento de casos de infeção pelo novo coronavírus.
“A gente conhece-se uns aos outros aqui. Custa tanto ver pessoas conhecidas a sofrer com isso. Rabo de Peixe é muito grande, mas isso é tudo como se fosse uma família, tudo ao pé uns dos outros. Isso é milhares de pessoas aqui, mas é tudo amigos, tudo juntos. É uma convivência boa que a gente tem aqui”, considera.
Há “muita preocupação” e, “mais a mais, está mau tempo”, refere o pescador, que não vai ao mar há seis semanas. “Isto nunca aconteceu aqui em Rabo de Peixe”, diz.
“A gente tem de trabalhar, isto não pode fechar. Se a gente não trabalhar, quem é que vai dar à gente? Tudo está ‘precisando’, é tudo pobres. Aqui Rabo de Peixe é uma zona muito pobre”, lembra.
José Salvador já fez um teste – “foi negativo” – e prepara-se para fazer o outro esta semana.
Entretanto, tanto ele como a sua família vão fazendo a sua parte: “Estão em casa, principalmente a minha mulher, que se queixa muita de asma. Eu obrigo-a ficar em casa, que isso não é brincadeira. O pouco que eu saio venho é para aqui, daqui vou para casa. Não ‘tou’ nos cafés, nessas coisas assim. Sempre aqui fazendo pequenas coisas”.
Humberta tem 54 anos e é proprietária de uma mercearia no centro da vila. Também ela admite que, quanto às restrições, “o que custa mais é ao pescador, porque é um homem que não está habituado a estar em casa”.
Ainda assim, a empresária não se acanha quando chega a hora de falar sobre a situação epidemiológica de Rabo de Peixe, que considera “uma porcaria”.
“As pessoas aqui […] não se estão a reservar. Muita gente esteve aí, andando, e sabendo que tinham teste positivo”, atira.
Humberta esperava “mais autoridade, a nível policial” – a mesma que “antes de haver esses casos” estava “sempre no caminho a dizer ‘metam-se em casa’”, mas agora não aparece.
A comerciante diz também que a cerca sanitária já deveria ter sido imposta “desde os princípios do mês de novembro”, quando começaram a aumentar os casos.
Com a cerca sanitária – atualmente a única do país – ficam interditadas as deslocações, por via terrestre e marítima, entre Rabo de Peixe, no concelho da Ribeira Grande, e as restantes freguesias. Fica proibida a circulação e permanência de pessoas na via pública, são encerradas todas as escolas e fixa-se a limitação da lotação máxima de um terço da respetiva capacidade na restauração e nos bares.
As autoridades de saúde vão proceder à realização de “testes rápidos à população”.
Esta cerca sanitária durará até à meia noite do próximo dia 8 de dezembro.
(Com Lusa)