Por Francisco Maduro Dias
Os finais de Outubro e inícios de Novembro, correspondem, sob diversos pontos de vista, a uma mudança de ciclo.
Se bem que as estações do ano tenham outro ritmo, o dos solstícios e equinócios, o certo é que muita coisa é colocada, desde há milénios e séculos neste momento, mais ou menos a meio do Outono.
As rendas das terras são pagas por esta altura e todo um ciclo de vida agrícola termina, preparando outro, começa a pensar-se nas podas, e não deixa de ser interessante recordar e salientar o S. Martinho, onde já é o vinho novo que desponta.
Nas zonas do planeta onde as árvores tendem a ter folha caduca como norma, o que não é o caso dos Açores, elas também como que aceleram o despir-se, quase dando a sensação de que morreram.
De um ponto de vista mais humano o mesmo também acontece. Lembro-me bem de pessoas mais velhas dizerem que os mais débeis “se iam” com o cair da folha.
Os tempos recentes introduziram entre nós, muito por via do comércio e da lufa-lufa do compra e vende algo que, na verdade, não é completamente estranho mas que se tornara estranho: o Halloween ou, se quisermos traduzir para algo mais nosso, o dia das bruxas.
A literatura destes dias encarrega-se de vir a terreiro, de novo, explicar as linhas com que tudo isto se cose, por isso, gostaria de ir por outros atalhos.
A existência de um carnaval, antes do Advento e do Natal corresponde a outro carnaval, antes da Quaresma e da Páscoa e um carnaval é, por definição, o contrário do normal.
As bruxas e os contactos com o além são, desde sempre, associados à noite, e a morte aparente de tantos elementos da natureza acompanhou, desde muito cedo essas preocupações da humanidade, levando ao aparecimento de cerimoniais mais ou menos elaborados em torno. O Dia de Todos os Santos e os Fiéis Defuntos são a Cristianização de tudo isso, como bem sabemos, procurando dar outro significado aos ajuntamentos que já aconteciam, sem os destruir, até porque não seria fácil nem era necessário.
O Pão por Deus, por sua vez, tem sido associado ao Terramoto de 1755, em Lisboa, e à penúria quase geral que se instalou, levando os mais desprotegidos a andarem, logo um ano depois, a pedir.
Entre nós, em vastas zonas da ilha Terceira e não só, apareceram uns pães, a que uns chamam caspiadas e, outros, escaldadas, baseados em massa de farinha de milho a que se adiciona ovos, algum açúcar e erva doce. Dar um pãozinho desses tornou-se habitual ou, pelo menos, comê-lo.
Finalmente temos as tradicionais romarias aos cemitérios, especialmente alindados, nesta época, revisitando, cada um.
Em resumo, começando a 31 de Outubro e terminando a 2 de Novembro, temos quatro coisas diferentes que umas vezes se combatem, outras se misturam, as mais das vezes se ignoram.
Deixando de lado exercícios académicos mais profundos, gostaria de dizer aqui que me parece perfeitamente possível enquadrar todos.
Nada impede uma boa noite de festa com ou sem guloseimas, mas uma mão cheia de bichos, monstros, esqueletos e sustos.
Nada impede que, no dia seguinte, visitando-se as pessoas, principalmente as crianças e jovens andem por aí – este ano é que não por causa do “bicho mau” – aproveitando, quem possa, para dar e divulgar os tais pãezinhos e, todos, para reaprender que precisamos uns dos outros.
Nada impede, por fim, que as pessoas recuperem a naturalidade de conviver com as memórias de quem andou por este mundo antes, seja visitando-os nos cemitérios, seja, simplesmente, recordando ditos, frases ou, como ainda é tradição, em vários lugares, comendo algo especial, em memória de quem tanto gostava daquilo.
Sempre achei linda a riqueza cultural que temos e parece-me que, assim, convivemos e usufruímos bem melhor de todo esta cabaz.