O cardeal Tolentino Mendonça recebeu hoje em Lisboa Prémio Europeu Helena Vaz da Silva 2020, defendendo a necessidade de preservar a centralidade simbólica e quotidiana do livro.
“Protejamos o património cultural que os livros representam. Eles são mapas para decifrar de onde viemos, mas são também telescópios e sondas apontadas ao futuro”, referiu, no seu discurso, o bibliotecário e arquivista do Vaticano.
A entrega da distinção decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian, onde o cardeal e poeta madeirense falou do fim da “era do livro”, ao considerar que este deixou de representar “o principal foco de energia” da civilização”, sendo substituído pelos ecrãs.
“Cada um de nós passa hoje mais tempo diante de um ecrã do que de um livro”, assinalou o autor.
D. José Tolentino Mendonça destacou o impacto da “revolução digital” e a interferência cada vez maior da tecnologia na comunicação humana, num momento em que “o livro já não é a grande metáfora”.
A intervenção, com transmissão online, questionou quem vê no livro um “vestígio arcaico”.
“Não podemos abordar a identidade europeia e os seus valores matriciais sem conectar com o mundo dos livros, que a ajudaram, em cada tempo, a superar o monolitismo ideológico”, apontou.
Segundo o colaborador do Papa, as condições requeridas para a leitura “modelaram antropologicamente” a humanidade e constituem um “património cultural” que é necessário preservar.
Após a cerimónia, em declarações aos jornalistas, o cardeal Tolentino Mendonça manifestou preocupação com as quebras no mercado editorial.
“Os livros fizeram a Europa, construíram e constroem a humanidade”, insistiu.
O reconhecimento presta homenagem “à contribuição excecional” do bibliotecário e arquivista da Biblioteca e Arquivo do Vaticano, para a divulgação da cultura e dos valores europeus.
O Prémio Europeu Helena Vaz da Silva para a Divulgação do Património Cultural foi instituído em 2013 pelo Centro Nacional de Cultura (CNC) em cooperação com a Europa Nostra, a principal organização europeia de defesa do património representada em Portugal pelo CNC, e com o Clube Português de Imprensa.
Em mensagem vídeo, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, associou-se ao que considerou ser um “justo reconhecimento para um dos mais destacados homens de cultura” de Portugal e da atualidade.
O responsável saudou o percurso “notável” do cardeal e poeta, destacando a sua capacidade de conjugar “as facetas de homem de fé, homem da cultura e de conhecedor da realidade humana” numa voz “singular” que chega a “sensibilidades muito distintas”.
Guterres deixou ao cardeal uma pergunta sobre “de que modo pode a Cultura contribuir para a amizade social”, de que o Papa fala na encíclica ‘Fratelli Tutti’, divulgada no início de outubro.
D. José Tolentino Mendonça respondeu ao relacionar Cultura e amizade social em três palavras: curiosidade, encontro e futuro.
“A alteridade não é uma ameaça”, apontou.
Também através de um vídeo, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, saudou o premiado e falou do cardeal português como “património cultural imaterial” do país.
O chefe de Estado evocou a alocução do cardeal madeirense, a 10 de junho, na celebração do Dia de Portugal.
“Nós precisamos desta voz, nós precisamos destas vozes”, declarou.
Já a ministra da Cultura, Graça Fonseca, afirmou que D. José Tolentino Mendonça cumpre, na sua universalidade, o “sentido essencial” da palavra católico.
A responsável falou de um “poeta, erudito, homem da cultura, mensageiro de valores” com “uma existência dedicada aos livros e uma vida vivida para as pessoas”
“O ofício de paciência de Tolentino é sempre um ofício cantante e, como gosta de dizer, um ofício incerto, fundamentalmente criador do divino no humano”, acrescentou.
“O nosso tempo precisa de poetas, que nos devolvam a raiz do que somos e da utopia que sonhamos ser”, disse.
A sessão contou com uma intervenção da secretária-geral da Europa Nostra, Sneska Quaedvlieg-Mihailović, por ligação online.
Isabel Mota, presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, anunciou durante a cerimónia uma colaboração com a Biblioteca Apostólica do Vaticano para expor, em 2021, dois desenhos de Boticelli, alusivos à ‘Divina Comédia’, nos 700 anos de morte do poeta florentino Dante Alighieri.
(Com Ecclesia)