Por Monsenhor António Manuel Saldanha
Fui o último secretário particular de D. Aurélio Granada Escudeiro. Razão porque recebi o convite da Drª. Carmo Rodeio para dar o meu testemunho.
Escrevo então sobre alguns detalhes do seu dia-a-dia, da sua personalidade e das suas convicções tal como as percebi durante um convívio diário que durou pouco mais de dois anos.
Homem extremamente metódico e trabalhador. Iniciava o seu dia de trabalho de joelhos na capela privada do Paço onde o ia encontrar todas as manhãs perto das 8 horas. Às 9:00 tomávamos o pequeno-almoço e às 9.30 seguia cada qual para o seu escritório.
A rotina diária terminava com o jantar e o terço que rezava atravessando solitário os corredores do primeiro andar do paço episcopal.
Escritor assíduo terá deixado à Diocese vários volumes ou o equivalente, de textos que ele redigia de seu próprio punho.
A Acção Católica marcou-o indelevelmente. Julgo que ele foi um fruto da sua dinâmica. Sofria com a agonia deste movimento que formara gerações de fiéis no empenho pela construção de uma sociedade mais justa e equitativa nos direitos e oportunidades para todos à luz da Doutrina Social da Igreja. Talvez não por acaso, nomeou-me Assistente diocesano da Acção Católica Rural e da Acção Católica dos Meios Independentes, ocasião que tive para conhecer muitos fiéis empenhados na sua formação e na missão social da Igreja.
A problemática das migrações era uma questão que dominava perfeitamente.
Tenho a certeza de que iria sintonizar com a preocupação do Papa Francisco pelo drama que se assiste quotidianamente nas costas do mar Mediterrâneo e noutras regiões do globo.
Não lhe conheci lamentos ou alusão a problemas de carácter ou de comportamento de qualquer padre ou de fiéis. Sei que não aceitava escritos sem autor, viessem de onde viessem e fosse qual fosse o conteúdo. Por vezes quebrava a sua regra para elogiar este ou aquele padre, quando o acompanhava nas visitas pastorais.
Com um conceito elevado dos seus deveres pastorais, fez por observar um calendário rigoroso de visitas a todas as ilhas, onde o ponto alto era a administração do sacramento do Crisma e encontros com todos os membros dos diferentes organismos e movimentos paroquiais.
Muito próximo das diferentes comunidades religiosas, fazia questão de as visitar e nalguns casos de as trazer para os Açores como foi o caso das Clarissas e dos Padres Salesianos.
Tornou-se açoriano, sem deixar de ser, como gostava de recordar, um homem tipicamente beirão.
Há detalhes que penso que confirmam o que escrevo. Um deles foi o ter feito questão, enquanto Bispo residencial, de não ter procurado tratamentos médicos fora da região, tendo optado por se hospitalizar nos Açores, quando teve de se submeter a uma operação cirúrgica de certa gravidade. Privando-se portanto do afecto dos familiares ou prescindindo dos cuidados médicos que poderia usufruir em meios urbanos maiores. Outro foi o seu incondicional apego às devoções ao Divino Espírito Santo, ao Senhor Santo Cristo dos Milagres, à Madre Teresa da Anunciada, à Serva de Deus Maria Vieira e ao Beato João Baptista Machado.
Recordo que o D. Aurélio foi o Bispo que ordenou o D. António de Sousa Braga. Um gesto carregado de simbolismo, que explicitou a vontade sincera por parte do D. Aurélio de que a sucedê-lo no serviço pastoral à Igreja nos Açores fosse um açoriano e o respeito que lhe retribuiu larga e generosamente o D. António Braga durante os cerca de vinte anos em que serviu a nossa Diocese.
No último jantar que tive com o D. Aurélio e com o D. António de Sousa Braga, de quem fui também secretário, o tema dominante da conversa foi o empenho dos dois Bispos pelas Causas da Madre Teresa da Anunciada e da Maria Vieira.
O respeito que tinham um pelo outro, apesar das evidentes e conhecidas diferenças e a sua devoção àquelas Causas, foram uma lição de vida e um autêntico legado que estes dois Bispos açorianos me deixaram e que julgo justificar plenamente o porquê de os unir na minha memória e neste testemunho.