Por Carmo Rodeia
A única vez que passei o 10 de junho fora do país, era bolseira da Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento e encontrava-me a estudar em Nova Iorque, na Universidade de Columbia.
Vivi o 10 de junho com um desfile na Quinta Avenida, por onde desfilavam as minorias étnicas porque o dia, julgo, coincidia com esse tipo de festejos nos Estados Unidos. Quando vi a bandeira portuguesa Quinta Avenida abaixo, desfraldada por uma minhota de um qualquer rancho folclórico da comunidade portuguesa radicada em Newark, comovi-me. Bem sei que sou de lágrima fácil para alguns mas, na verdade, foi a primeira vez que senti na pele, qual emigrante, o orgulho de ser portuguesa e de ver uma bandeira das quinas a desfilar por Manhattan.
Nesse ano do século passado aconteceram muitas coisas. Foi aquele ano que se o tivesse de qualificar diria que tinha sido um ano de vacas gordas do ponto de vista pessoal, familiar, profissional e até nacional pois Portugal assumia pela primeira vez a presidência da União Europeia. Foi o ano em que se inaugurou o Centro Cultural de Belém, paredes meias com a Torre de Belém, de onde Portugal se lançou ao mundo para o dar a conhecer, e com os Jerónimos onde hoje se celebrou, ao jeito de tempos pandémicos, de forma digna e sóbria a portugalidade.
Hoje não foi um dia de um ano de vacas abundantes. Os tempos são outros. De desconfinamento moderado e de poucas vontades aventureiras. E nem vale a pena dizer se melhores se piores: são diferentes. Por isso, vale a pena olhá-los de maneira diferente e perceber como os podemos viver.
A lágrima que hoje poderia verter seria unicamente por ver que, afinal, Portugal ainda tem tanto para dar ao mundo apesar do nosso miserabilismo constante e pessimista de que estamos na cauda da Europa, somos isto e aquilo, que não temos massa critica, que somos um país de velhos, pouco qualificado, e isto e mais aquilo.
Poderemos ser tudo isso mas também somos um povo valente que pode contribuir para essa grande comunidade que é o mundo.
Ao ouvir D. José Tolentino Mendonça, sem dúvida um dos grandes pensadores portugueses da nossa contemporaneidade, para além de ser um grande poeta, fiquei entusiasmada com a ideia de um pacto intergeracional. Não pela ideia em si mas por aquilo a que ela obriga: a desinstalação na atenção ao outro e à necessária ação para assegurar os meios necessários e suficientes para que ninguém fique para trás. Numa expressão usada pelo cardeal: a sermos comunidade, um valor cristão tão em desuso.
Tenho três filhos que se integram naquela faixa etária por ele enunciada como jovens adultos: dois licenciados e um a caminho. Qualquer um deles com ampla formação académica e humana (desculpem a imodéstia, mas os nossos filhos são sempre os melhores. E os meus são mesmo os melhores!) que dificilmente viverão na mesma abundância que eu e a minha geração vivemos. Felizmente também ainda tenho a minha mãe que no alto dos seus 84 anos, nasceu na véspera da Segunda Guerra Mundial e assistiu ao desenvolvimento de uma comunidade Europeia que era o sonho de tantos e tantas da sua geração.
Nenhum deles viveu ou viverá a prosperidade que eu conheci. Mas também nenhum deles há de ficar para trás. Se os nossos políticos e cada um de nós, soubermos atender às suas necessidades e tomarmos as opções certas para que ninguém fique para trás, isto é, se o amor for “exercício efetivo de fraternidade” e manifestação de “compaixão”.
“Portugal é uma viagem que fazemos juntos há quase nove séculos”, procurando criar “uma comunidade aberta e justa” como referiu o cardeal português. O importante é que não desperdicemos este legado e ao contrário do que aconteceu noutros países, que hoje estão a braços com uma crise ainda maior que a nossa, não nos deixemos embalar pelas barcas do populismo. A resposta deste até pode ser rápida e eficaz no momento, mas não garantirá o futuro. Como nesses países não está a garantir sequer o presente.