Em tempo de pandemia, o primeiro concelho açoriano a viver uma cerca sanitária por causa da Covid-19, reinventa-se para viver esta solenidade que coincide com o feriado municipal
A solenidade do Corpo de Deus assinalada em todo o mundo cristão, mas com especial relevância no concelho da Povoação, na ilha São Miguel, onde a festa religiosa se confunde com a festa concelhia, este ano vai ser celebrada de forma mais modesta mas igualmente “profunda”. É este o repto lançado pela igreja povoacense.
“Este ano não se realizam, nos moldes habituais, as Festas do Corpo de Deus, mas isso não significa que não haja Festa. Não há tapetes de flores, nem foguetes, nem bandas de música a tocar, nem Procissão, nem arraial mas o Senhor Jesus, presente na Eucaristia, estará à nossa espera. Que o nosso olhar se foque em Cristo, pois Ele é o centro da festa”, refere um texto do Padre João Ponte no boletim paroquial de junho, Mater Dei.
“Convido cada um de vós a participar na Celebração da Missa e a tirar um pouco do seu tempo para adorar Jesus Eucaristia”, afirma ainda, lembrando que devido à pandemia haverá horas desfasadas ao longo do dia para que todos possam participar em momentos de adoração.
Na quinta feira haverá a Celebração da Missa pelas 10h30 e a seguir Adoração Eucarística, até às 13h00 no interior da Igreja e, a partir dessa hora, até às 19h30 no adro da Igreja. Às 19h30 será feita a bênção do Santíssimo Sacramento e pelas 20h00 haverá a Celebração da Missa.
“Gostaria que estas Festas fossem uma oportunidade para formarmos na nossa Paróquia a Irmandade do Santíssimo Sacramento, unindo duas vertentes: Eucaristia e adoração e a Caridade” desafia ainda o sacerdote. Para que haja uma maior envolvência, por parte de todos, propôs algumas ações para estes dias: entre hoje e amanhã deixar na igreja uma flor branca para ornamentar o Santíssimo; quarta feira acender uma lâmpada no adro da Igreja e, na quinta-feira, dia de Corpo de Deus que cada um coloque na sua varanda uma frase alusiva à Eucaristia. Os paroquianos são ainda interpelados a fazer uma obra de misericórdia, a contribuir com um doce que será vendido e cuja receita reverte para o Centro Catequético, entre outras atividades.
Na sexta feira, dia do Feriado Municipal, a celebração da Missa será ao meio dia na Matriz da Povoação.
“Os tempos atuais mostram-se difíceis para muitas famílias e creio que é urgente cultivar-se uma espécie de pastoral de vizinhança, mas concerteza não será o suficiente” avança o padre João Ponte em declarações ao Igreja Açores.
“Como não temos nenhum movimento Caritas, nem conferência vicentina na Paróquia, penso que esta seria uma boa oportunidade para se formar um grupo Caritas mas que tivesse uma base sólida, a Palavra de Deus e a Eucaristia, daí pensar na Irmandade do Santíssimo Sacramento”, esclarece.
Habitualmente esta festa é celebrada na rua com uma procissão marcada por tapetes de flores naturais e uma decoração muito significativa de todas as casas.
A Solenidade do Corpo de Deus é vivida de forma muito intensa nos Açores. Na esmagadora maioria das paróquias é o dia principal da Primeira Comunhão que este ano ficará adiada para muitas crianças da catequese.
Desde o século XII, quase não há em Portugal cidade ou lugar que prescinda da celebração da festa do Corpo de Deus, invocadora do “triunfo do amor de Cristo pelo Santíssimo Sacramento da Eucaristia” .
No Pico as solenidades do Corpo de Deus realizam-se nas quatro Igrejas Matriz da Ouvidoria (Madalena, Lajes, São Roque e São Mateus) e ainda na Paróquia de Santa Bárbara das Ribeiras.
Também na Horta a Festa do Corpo de Deus faz convergir muitos fieis para o centro da cidade mais atlântica do arquipélago.
A Solenidade Litúrgica do Corpo e Sangue de Cristo, conhecida popularmente como “Corpo de Deus”, começou a ser celebrada há mais de sete séculos e meio, em 1246, na cidade de Liège, na actual Bélgica, tendo sido alargada à Igreja latina pelo Papa Urbano IV através da bula “Transiturus”, em 1264, dotando-a de missa e ofício próprios.
Na origem, a solenidade constituía uma resposta a heresias que colocavam em causa a presença real de Cristo na Eucaristia, tendo-se afirmado também como o coroamento de um movimento de devoção ao Santíssimo Sacramento.
Terá chegado a Portugal provavelmente nos finais do século XIII e tomou a denominação de Festa de Corpo de Deus, embora o mistério e a festa da Eucaristia seja o Corpo de Cristo. Esta exultação popular à Eucaristia é manifestada no 60° dia após a Páscoa e forçosamente a uma Quinta-feira, fazendo assim a união íntima com a Última Ceia de Quinta-feira Santa. Em alguns países, no entanto, a solenidade é celebrada no Domingo seguinte.
Em 1311 e em 1317 foi novamente recomendada pelo Concílio de Vienne (França) e pelo Papa João XXII, respectivamente. Nos primeiros séculos, a Eucaristia era adorada publicamente, mas só durante o tempo da missa e da comunhão. A conservação da hóstia consagrada fora prevista, originalmente, para levar a comunhão aos doentes e ausentes.
Só durante a Idade Média se regista, no Ocidente, um culto dirigido mais deliberadamente à presença eucarística, dando maior relevo à Adoração. No século XII é introduzido um novo rito na celebração da Missa: a elevação da hóstia consagrada, no momento da consagração. No século XIII, a Adoração da hóstia desenvolve-se fora da Missa e aumenta a afluência popular à procissão do Santíssimo Sacramento. A procissão do Corpo e Sangue de Cristo é, neste contexto, a última da série, mas com o passar dos anos tornou-se a mais importante.
Do desejo primitivo de “ver a hóstia” passou-se para uma festa da realeza de Cristo, na “Christianitas” medieval, em que a presença do Senhor bendiz a cidade e os homens.
Nos séculos XVI e XVII, a resposta às negações do movimento protestante que se expressou na fé e na cultura – arte, literatura e folclore – contribuiu para avivar e tornar significativas muitas das expressões da piedade popular para com a Eucaristia.
A “comemoração mais célebre e solene do Sacramento memorial da Missa” (Urbano IV) recebeu várias denominações ao longo dos séculos: festa do Santíssimo Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo; festa da Eucaristia; festa do Corpo de Cristo. Hoje denomina-se solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, tendo praticamente desaparecido a festa litúrgica do “Preciosíssimo Sangue”, a 1 de Julho.
A procissão com o Santíssimo Sacramento é recomendada pelo Código de Direito Canónico, no qual se refere que “onde, a juízo do Bispo diocesano, for possível, para testemunhar publicamente a veneração para com a santíssima Eucaristia faça-se uma procissão pelas vias públicas, sobretudo na solenidade do Corpo e Sangue de Cristo” (cân 944, §1). Este ano, por causa das determinações da autoridade de saúde não se poderão realizar quaisquer procissões.