Por Carmo Rodeia
Li este fim de semana, na edição impressa do DN, um artigo feito pela Céu Neves, que no título dizia quase tudo: “A década em que Portugal deu a volta à economia mas não à crise de bébés”.
O artigo, que pretendia ilustrar os dez anos de vida de um dos projetos mais interessantes e úteis da Fundação Francisco Manuel dos Santos, e que é a Base de Dados de Portugal Contemporâneo mais atualizada e interessante disponível on-line, PORDATA, realça que o problema não está em morrermos mais tarde mas em nascermos cada vez menos, e em menor número.
A demografia mostra que o índice sintético de fecundidade, isto é, o número de filhos por mulher em idade fértil, mantém-se abaixo dos 2,1 filhos, que é o patamar miníno que garante a substituição de gerações. Em 2010 esse índice em Portugal era de 1,39 e, em 2018, 1,41. Aliás, no referido artigo, dizia-se igualmente que o número da população com 15 anos ou menos tem vindo a diminuir de tal maneira que hoje, em Portugal, não serão mais de 1,5 milhões de jovens, num total populacional de cerca de 10 milhões, mais coisa menos coisa.
Dizia ainda o artigo que muitos dos novos nascimentos portugueses se deram no estrangeiro por causa da emigração (perto de 85.500 bébés, nos últimos 10 anos); que não são indiferentes a este cenário as mudanças na estrutura familiar, sendo cada vez maior o número de casais sem filhos, ou que retarda a chegada do primeiro filho, comprometendo depois uma opção por mais filhos.
E, nos Açores, o problema coloca-se da mesma forma, ou pior. A Taxa de Fecundidade tem reduzido drástica e abruptamente; já não somos um oásis neste capítulo e há concelhos, em que, em determinadas alturas, pura e simplesmente não nascem crianças. Em 2012, por exemplo, o Corvo tinha um índice de fecundidade muito superior à média nacional. Nesse ano era o local do país onde, em média, uma mulher tinha mais filhos: 2,77, quando a média nacional era de 1,28. Quatro anos depois, registou-se um índice de fecundidade de zero, segundo dados da PORDATA.
Curiosamente, nas últimas três semanas acompanhei pela televisão os congressos de três partidos políticos do centro direita, dois nacionais e um regional. Acompanhei os discursos de encerramento dos novos líderes que, por tradição, são sempre discursos virados para o país, durante os quais, com maior ou menor novidade, maior ou menor rigor (ou delírio!), comunicam ao comum dos mortais ao que vêm.
Não é este o espaço para análises políticas mas é certamente o espaço para lembrar, num momento em que o parlamento nacional se prepara, rápida e dramaticamente, para legislar nas costas do povo português sobre os instrumentos legais para que alguém em sofrimento, absolutamente intolerável, possa decidir sobre a sua morte, não se fale, com a mesma urgência e denodo, em criar condições para encontrar medidas efetivas que possam permitir um aumento da taxa de natalidade. De resto, a própria questão da Eutanásia esteve presente nos congressos nacionais do CDS e do PSD, com moções a defender, no último caso, o referendo. Mas, nem uma palavra sobre a natalidade.
Em bom rigor, já nos programas eleitorais sufragados em outubro passado pouca tinta correu sobre o incentivo à natalidade. Talvez porque não dê votos; talvez porque falarmos em natalidade significa que protegemos a família e, numa sociedade individualista como a nossa, esse valor não seja prioritário, ou porque simplesmente não pensam nada sobre o assunto, porque também não o consideram relevante.
As campainhas têm que soar. E os partidos políticos não podem meter a cabeça na areia como a avestruz. O que estou a tentar dizer é que é preciso que alguma coisa mude efetivamente nas políticas públicas de natalidade, matéria sobre qual acredito que seja possível o tão reclamado consenso que não se consegue noutras áreas. As medidas integradas de incentivo à natalidade, as medidas de proteção da parentalidade serão porventura as áreas onde haverá menos clivagens ideológicas.
É inconcebível que um parlamento moderado, ainda que plural, com partidos e posicionamentos ideológicos diferentes, não veja a urgência deste debate, para além de medidas sem impacto orçamental como aconteceu na passada legislatura, quando foram aprovadas alterações: nas licenças e no apoio às famílias com filhos; nos incentivos (nomeadamente fiscais) às empresas que sejam “familiarmente responsáveis”; na proteção às crianças; nas alterações no regime de apoios às pessoas com deficiência ou nas políticas de habitação para famílias com filhos. Já se andou um pouco mais, é certo, mas não o suficiente.
And yet, a grande prioridade política vai para a discussão sobre a forma legal para decidirmos a possibilidade de uma morte apressada para ultrapassar o sofrimento.
A nossa sociedade, em particular os nossos políticos, tem de se perguntar se já fez tudo o que podia para promover e amparar a vida, desde a nascença até à morte. E este é o tempo, sob pena de estarmos uma vez mais a inverter as prioridades hipotecando o futuro. Literalmente. Porque legislar sobre a morte não é um passo em frente da nossa civilização e legislar sobre a vida nascente e a forma como ela deve ser incentivada e protegida é a única maneira de garantirmos a nossa continuidade.