O responsável diocesano pela pastoral social faz o balanço das jornadas nacionais e apresenta os projetos para o novo ano
Em entrevista ao Sítio Igreja Açores, o Pe Cipriano Pacheco, lembra que a caridade está no cerne da fé cristã, mas é preciso convocar novas forças: o trabalho em rede é o principal desafio da igreja face ao mundo atual
Sítio Igreja Açores- Acabam de terminar as Jornadas Nacionais da pastoral social. Que perspetivas trás para aplicar aqui nos Açores?
Pe Cipriano Pacheco- As jornadas correram muito bem e foram muito participadas com intervenções muito realistas quanto à situação que o país atravessa. A temática não podia ser mais atual para os cristãos e para o papel da igreja no mundo de hoje. A começar logo pelo tema que era a “Dimensão social no anuncio do Evangelho”, ou seja , despertar os cristãos para a ideia de que o empenhamento e a atenção aos mais pobres não é uma mera consequência, de que por ter fé deve dar-se uma esmola mas é, sim , a essência da fé.
Esta consciência do que é ser cristão faz com que, na prática, possamos todos contribuir para uma sociedade melhor, intervindo e mostrando a originalidade da mensagem de Cristo.
Sítio Igreja Açores- Do ponto de vista prático o que é que estas jornadas acrescentam à Pastoral Social no arquipélago?
Pe. Cipriano Pacheco- Durante as jornadas apareceram muitos testemunhos e muitas experiências que mostram como somos capazes de por em prática esta atenção aos mais pobres, aos mais vulneráveis.
A partir da Exortação do Papa Francisco, somos relembrados que esta prática tem de fazer parte da formação contínua dos padres , dos leigos e dos cristãos em geral. Tem que ser uma prioridade.
O Primado da Palavra, da Graça e da Misericórdia são essenciais na vida de um cristão. E todos, sem exceção, podem dar um contributo, não só integrados nos movimentos da Igreja mas também na sua vida quotidiana. Os que têm esta referência cristã têm de lutar pela afirmação dos valores que defendem e não podem temer aplica-los na sua vida quotidiana, seja no trabalho, seja na escola seja nas relações sociais…
Sítio Igreja Açores- Isso é exequível nos Açores?
Pe Cipriano Pacheco- Tem de ser… porque aqui os problemas são idênticos aos que se passam lá fora. Há muitas pessoas a precisarem da satisfação de necessidades básicas, elementares mesmo… A igreja não pode ficar indiferente, tem de agir, desde logo através dos cristãos.
Sítio Igreja Açores- No último ano , acentuaram-se as dificuldades dos açorianos?
Pe Cipriano Pacheco– Do ponto de vista dos problemas sociais houve de facto um agravamento mas, também, é bom reconhecer que aumentou a atenção sobre os problemas e há uma clara tentativa de resposta para os solucionar. Isto, é claro, não invalida que não sejamos capazes de promover outro tipo de iniciativas.
Sítio Igreja Açores- Há pessoas que o procuram ou que procuram o Serviço Diocesano em busca de respostas concretas?
Pe Cipriano Pacheco- Claro que há, a todos os níveis. Por exemplo há jovens que telefonam a saber se há trabalho, se se sabe de algum emprego disponível… Diria que , a todos os níveis, a procura é clara mas reconheço que a resposta também não seja fácil. Por isso é que um projeto integrado de luta contra a pobreza é indispensável. É uma das nossas prioridades.
Sítio Igreja Açores- Essa é uma iniciativa que vem de trás. Ainda não foi possível avançar mais?
Pe Cipriano Pacheco- A intervenção social é complexa. Mas, estou em crer que vamos conseguir superar algumas dificuldades. Desde logo, é preciso que todos tenhamos consciência de que o trabalho em rede é fundamental. Temos que ser capazes de reunir centros sociais, instituições da área da educação e da saúde e daí partirmos para contatos com entidades oficiais de forma a podermos promover oportunidades locais de emprego através da criação de empresas de pequena dimensão e de cariz social.
Sítio Igreja Açores- Como já aconteceu no passado….com a Kairós…
Pe Cipriano Pacheco- Sem dúvida que esse é um bom exemplo. Mas há outras experiências de resposta mais imediata e, se calhar, dentro daquilo que é a natureza das necessidades atuais, como o Projeto São Lucas que foi, de resto, apresentado nas Jornadas.
O que notamos é que há, de facto, muitas dificuldades, algumas delas de natureza absolutamente básica. Chegam-nos casos de pessoas que não têm o que comer nem sabem onde procurar. Temos de ver se conseguimos, por exemplo, implementar uma cantina social, aberta, que resulte do trabalho de instituições que têm cozinha e que possam, através de uma ação conjunta, fornecer refeições.
Sítio Igreja Açores- Dá a sensação de que há boas intenções, a igreja faz o que pode e bem, mas continua a registar-se uma enorme falta de articulação para tornar a resposta mais sólida…
Pe Cipriano Pacheco– Sim, falta alguma articulação e esse é apenas um dos nosso problemas…
Sítio Igreja Açores- Se ele está tão bem identificado porque é que não foi ultrapassado?
Pe Cipriano Pacheco- Pois… se calhar temos de começar por reunir os responsáveis e ver como se podem estabelecer relações e trabalhar em rede.
Sítio Igreja Açores- Sente que o Estado Social está a ser posto em causa?
Pe Cipriano Pacheco- Sem dúvida. Estamos obcecados numa tentativa de reduzir despesa e isso traduziu-se numa diminuição dos direitos sociais e esse deveria ser o último caminho. Se há área onde não deveriam existir cortes é, justamente, nos direitos sociais.
Sítio Igreja Açores- Do ponto de vista da intervenção social, qual é o grande desafio da igreja nos Açores?
Pe Cipriano Pacheco- Desde logo, pensar que estes problemas dizem respeito à igreja e que não estão fora dela. Se é verdade que compete ao Estado resolver estes problemas, a igreja também não pode ficar pelo mero assistencialismo nem à espera que as coisas se possam ir resolvendo. O segredo penso que está, sobretudo, num novo olhar que a igreja tem que ter para a realidade social.
Sítio Igreja Açores- Parece que a tal conversão pastoral também passa por uma mudança de mentalidades dos leigos que lideram os movimentos da igreja?!
Pe Cipriano Pacheco- Sem dúvida. Julgo que o fundamental é a conversão de mentalidades que, infelizmente, não se faz por decreto e leva o seu tempo. O que não podemos é ficar todo o tempo à espera. Temos de agir e, sobretudo, insistir na formação e na motivação, para intervir.
Sítio Igreja Açores- Como é que operamos essa mudança?
Pe Cipriano Pacheco– Nós temos uma mensagem absolutamente original: os últimos são os primeiros. Logo, cada cristão não deve olhar para a pobreza numa perspetiva moralista, deve agir procurando fazer o que deve fazer. Por exemplo, negar uma esmola a um pobre só porque se sabe que ele bebe, ou que ele fuma, é pouco cristão…no entanto, há quem pense assim e aja assim.
Sítio Igreja Açores- Bom, mas essas são as tais periferias de que fala o Papa Francisco. Não é só um problema material é, sobretudo, um problema de mentalidades e essas periferias também podem estar dentro da igreja?!
Pe Cipriano Pacheco– Sim, as periferias existenciais são difíceis de ultrapassar. Mas temos de ser capazes de o fazer, porque temos de tirar proveito da originalidade da nossa mensagem, indo ao encontro, proporcionando esse encontro e, sobretudo, dando a mão a quem dela precisa, não no sentido meramente assistencialista mas tendo sempre presente esse dever cristão.
Nós não temos capacidade de dar dinheiro, de resolver os problemas materiais; agora podemos e devemos encontrar uma resposta, um conforto para quem tem problemas.
Sítio Igreja Açores- Quais são as linhas mestras do programa de ação da pastoral social diocesana para este ano que agora vai começar?
Pe Cipriano Pacheco– Desde logo, apostar na continuação dessa formação. Desde o ano passado que estamos a organizar as jornadas de primavera e de outono, trazendo à região nomes importantes, que acrescentam a nossa capacidade de intervir, promovendo a reflexão e o debate.. A próxima já está agendada para o dia 24 de outubro, com Bagão Félix . Por outro lado temos de continuar a agir no terreno, respondendo de forma imediata às necessidades mais básicas, que infelizmente são cada vez mais frequentes.
Sítio Igreja Açores- A ideia que fica é que se organizam eventos que traçam belos diagnósticos, muito reais, mas depois falta essa componente da ação…
Pe Cipriano Pacheco- Não deixa de ser verdade… mas temos procurado ultrapassar essa dificuldade. Olhe, por exemplo, num trabalho mais articulado com a Cáritas diocesana, como no caso do programa “+ próximo”.
Julgo que estamos ainda no inicio mas, ao longo do ano, serão muito proveitosas as diferentes ações.
Sítio Igreja Açores- Esta pastoral é mais visível nas duas maiores ilhas. As outras parece que não precisam. Que balanço é que poderemos fazer, no futuro, da pastoral diocesana no domínio social?
Pe Cipriano Pacheco- Se estes pequenos projetos avançassem julgo que seria um salto qualitativo grande, sobretudo no que respeita à resposta a dar as populações em redor dos grandes centros urbanos. Não resolvendo tudo já seria um passo. Agora é preciso haver uma enorme articulação dos centros sociais, destes com entidades públicas e privadas, porque as respostas têm de aparecer.
Sítio Igreja Açores- Acredita que vai ser assim?
Pe Cipriano Pacheco- Temos que fazer para que seja assim, de outra forma não funcionará.