Por Carmo Rodeia
Faleceu esta madrugada uma das fundadoras do Graal, movimento internacional de mulheres católicas, Manuela Silva. Foi Secretária de Estado do Planeamento no primeiro governo constitucional liderado por Maria de Lurdes Pintassilgo, que durou 100 dias, e professora catedrática no Instituto Superior de Economia e Gestão.
Juntamente com Alfredo Bruto da Costa foi uma incansável defensora de medidas de combate à pobreza, sem se distanciar um milímetro da Doutrina Social da Igreja. Como lembra o jornal digital Sete Margens, repetia frequentemente que o fenómeno da exclusão social era não só insustentável como evitável se houvesse uma transformação radical na forma de organizar os recursos e de os partilhar, ou com conceitos como “uma nova concepção do trabalho, da empresa, de repartição dos recursos, de responsabilização dos agentes económicos, do controlo dos mercados financeiros”.
Nos últimos anos, e na sequência da publicação da Encíclica `Laudato Si’, tinha dinamizado a rede Cuidar da Casa Comum, composta por pessoas, instituições e grupos atentos à emergência climática e à urgência da conversão ecológica, rumo a uma ecologia integral, expressão tão cara ao Papa Francisco.
Para ela, escreve o Sete Margens, “este empenhamento sintetizava muito do seu pensamento, uma vez que os problemas ambientais são reflexo da má distribuição da riqueza, da sobre-exploração de recursos, dos investimentos que continuam a destruir o planeta e o futuro das gerações mais jovens e, ao mesmo tempo, criam franjas enormes de novos pobres” devido a lideranças políticas com uma grande ignorância em relação ao país real.
Roma vive por estes dias o Sínodo sobre a Amazónia. Na abertura deste encontro, que se prolonga até ao final do mês de outubro, o Papa Francisco lembrou que esta região do planeta, considerada um dos seus pulmões, precisa do ‘fogo de Deus’, que não é alimentado pelos lucros.
Perante representantes de povos indígenas, e mais de 180 cardeais, bispos e padres, para além de 12 leigos, incluindo o ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, e pesquisadores e cientistas do mundo todo, o Santo Padre reforçou a ideia do combate à corrupção mesmo a que se ampara “em legislação traiçoeira do bem comum”.
Sem receio aparente de incomodar os poderes instalados, o documento elenca a urgência do combate à corrupção, registando-se referências às grandes companhias que “perseguem o lucro custe o que custar” e à conivência dos governos que “nem sempre cumprem o seu dever de preservar o meio ambiente e os direitos das suas populações”.
Antes de mais, há um estilo de vida na Amazónia que este sínodo quer acentuar, de proximidade com a natureza e isso deve traduzir-se na vida da Igreja, que é uma instituição global, mas, para este Papa, não deve ser centralizada nem romanizada.
O Sínodo, que tem como tema “Amazónia: Novos caminhos para a Igreja e por uma ecologia integral”, além de abordar os problemas ambientais da Amazónia, nomeadamente as consequências da exploração da floresta e dos recursos hídricos, tem outros temas, como a ordenação de homens casados para as áreas mais remotas ou o reforço do papel dos leigos, especialmente das mulheres .
O sentido de urgência que se põe em cada palavra neste sínodo é aquele que Manuela Silva colocava em cada uma das suas intervenções. Sobretudo, quando se tratava de falar de uma igreja mais ministerial e mais feminina.
Numa entrevista ao Público, citada pelo Sete Margens afirmava: “Acredito ou quero acreditar que a Igreja do futuro terá um jeito mais feminino e menos petrino do que o que conhecemos.” Segundo António Marujo, dizia que que essa era uma visão da esperança: “Eu gostaria de ter sempre esse olhar esperançoso sobre a realidade, qualquer que ela seja. É um modo de olhar que permite ver, no meio de ruínas, as flores que nelas desabrocham”.
Foi também assim que Jesus olhou, mesmo os que o trairiam. É assim que o Papa olha à sua volta e testemunha, mesmo contra aqueles que conspiram. Deve ser por isso que é acusado de heresia e panteísmo. Pois…