Por Carmo Rodeia
A originalidade é, porventura, uma das características essenciais dos cristãos, se atendermos ao facto de ao anunciarmos a boa nova de Jesus devemos sempre ser novos e originais. Fieis à palavra de Deus mas originais no nosso testemunho, sem cedermos à tentação da mecânica repetição, que tantas vezes criticamos nos outros e em que nós também acabamos por cair.
Vem isto a propósito de um livro que foi lançado no sábado: A Longa Solidão, de Dorothy Day, uma das figuras mais marcantes do Século XX, com ideias avançadas até para o nosso tempo, quanto mais para o seu. Embora se auto-intitulasse como uma mulher comum e tivesse feito disso uma bandeira, a verdade é que a sua conversão ao catolicismo, a sua fé e a caridade, que dispensou a milhares de milhares de pessoas, fizeram dela um ser extraordinário.
“Quando uma pessoa escreve a história da sua vida e o trabalho em que esteve empenhada, também faz, de certa forma, uma confissão. (…) Ir à Confissão é difícil. Escrever um livro é difícil, porque estamos «a entregar-nos». Mas, quando amamos, queremos entregar-nos”, escreve Dorothy Day na sua autobiografia.
Ela fundou uma espécie de movimento espiritual do século XX, com uma rede de casas de acolhimento e jornais que abrangia todo o território dos Estados Unidos e cujo propósito era alimentar os famintos e acolher os pobres, os mais vulneráveis, os doentes e os necessitados, no espírito da caridade cristã.
A vida da Igreja, ao longo da história, está cheia de mulheres destas: que depois de experimentarem um encontro com Deus, concretizaram esse amor na ajuda ao próximo, cumprindo esse mandamento de amar a Deus no próximo, através do nosso irmão, o que significa amar a todos; a todos perdoar; a todos servir e a ninguém excluir.
Catarina de Sena, no século XIV; Santa Teresa de Ávila, no século XVI; Luísa de Marillac, no século XVII, Teresa de Lisieux ou Maria Clara do Menino Jesus, no século XIX; Santa Teresa de Calcutá no século XX ou Chiara Lubich são nomes cuja ação dispensa grandes apresentações. E, embora a Igreja católica confira o sacramento da ordem apenas a homens, isso está longe de significar que na história da instituição não existam nomes incontornáveis que a ajudaram a construir, prosseguir e todos se pronunciem no feminino. Desde logo Maria, a mãe de Jesus, ou Maria Madalena, a primeira a ver Jesus ressuscitado, a “apóstola dos apóstolos”, como é chamada pela tradição oriental.
Por isso, falar da igreja sem falar das mulheres é como “o Colégio Apostólico sem Maria”, como disse uma vez o Papa Francisco, lembrando já em 2013, que a Igreja é “feminina, esposa e mãe” e por isso, haveria necessidade de uma “profunda teologia da mulher”.
A 7 de fevereiro de 2015, numa reunião plenária do Conselho Pontifício para a Cultura, o Papa sublinhava que as mulheres precisavam de se sentir, “não hóspedes, mas plenamente participantes das várias esferas da vida social e eclesial” e que esse “é um desafio que não pode mais ser adiado”.
“É necessário oferecer espaços às mulheres na vida da Igreja”, favorecendo “uma presença mais ampla e incisiva nas comunidades” com “maior envolvimento das mulheres nas responsabilidades pastorais”. Alargando o olhar à sociedade, o Papa denunciava a mercantilização do corpo feminino, “as muitas formas de escravidão” a que as mulheres são submetidas e lançava um apelo para que, para vencer a subordinação, fosse promovida a reciprocidade.
Nenhum dos nomes que aqui referi, incluindo o de Dorothy Day, precisou de ser ordenada para servir Jesus e a Igreja. A reciprocidade não terá de passar necessariamente pelo sacramento da ordem mas há de ter de passar por algum lado…E não defendo isto por uma questão de género, mas de justiça. Ou melhor: reciprocidade.