Excessos na festa podem contradizer a simplicidade do Espirito Santo

O Igreja Açores foi “visitar” dois impérios na Vila Nova, na Praia da Vitória e em São Carlos, em Angra do Heroísmo

A forma como hoje se vive o Espírito Santo é um reflexo do tempo e por isso, muitas vezes, corre-se o risco de a festa não ser celebrada com simplicidade e com fé na Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, alertam pessoas que já “serviram” o Espirito Santo seja como como mordomos seja como simples irmão. De resto, a forma como se vive e organiza a festa também varia muito. E não só de ilha para ilha. Mesmo dentro do mesmo pedaço de terra as variantes são grandes consoante seja uma freguesia mais urbana ou outra mais rural.

A ilha Terceira, onde o dia de bodo é um dos mais importantes do ano, é um desses exemplos. E embora o culto ao Espirito Santo passe sempre pelo altar- glorificação do Divino- e pela dispensa- a partilha das esmolas- a verdade é que a forma de o fazer é muito diversa.

Conceição Oliveira, da Vila Nova, alerta para um fenómeno que está a ganhar força e que pode provocar o desinteresse pela festa por parte dos mais novos.

“Nem sempre se celebra o Espírito Santo como se prometeu. Há muita sumptuosidade na forma como se faz a festa”, refere esta mulher habituada a servir o Senhor Espírito Santo no Ramo Grande, uma das zonas mais genuínas desta tradição que atravessa os Açores.

“O Espirito Santo é partilha”, mas a verdade é que “cada vez mais metade das esmolas é para pagar favores e fazer bonito”, refere com alguma mágoa, só aligeirada pela vontade de perpetuar esta tradição no tempo.

“É uma festa muito bonita e feita com fé é uma forma muito digna de nos sentirmos agradecidos por todas as bênçãos que recebemos”, esclarece, mas “temos de ter algum cuidado”.

“Antigamente rezava-se o terço e as pessoas, quando acabavam de rezar, eram convidadas a `gastar´ qualquer coisa, como uma fatia de massa cevada e um copo de vinho e à saída levavam o recado para que não se esquecessem do Espirito Santo. Hoje já não é assim: as mesas são fartas e autênticos banquetes restando pouco tempo para o essencial que é rezar e partilhar”, adianta ainda.

“Só falo nisto porque esta competição afasta as pessoas; cria o medo porque ninguém quer ficar atrás para não cair na boca do povo” refere sublinhando que ainda há gente “que não embarca nesta moda”.

Leandro Ávila, investigador, partilha do mesmo receio.

“Já se ouve, com muita frequência, aqui no Ramo Grande, as pessoas dizerem `nunca vou dar uma função porque não posso´ e isto não é a essência deste culto”, refere.

“A base disto é uma base franciscana de partilha. Evitar a sua adulteração é um desafio para todos nós, a começar pela Igreja” refere em declarações ao Igreja Açores.

Para este estudioso do Espírito Santo é um desafio para a igreja tentar gerir estas questões, assumindo que o sacerdote também deve “orientar” o povo, sobretudo no que diz respeito à parte da vivência espiritual da festa.

“O Espírito Santo assenta nestas duas realidades- o altar e as esmolas-. Se uma delas não existe, falha tudo”, adianta.

A relação da hierarquia com este culto nem sempre tem sido pacifica. Mas, para o investigador não se trata de a igreja dizer como deve ser festa mas orientá-la para aquilo que é essencial que é a vivência da espiritualidade própria deste culto, esclarece

“Há questões pastorais que devem ser salvaguardas pelo padre, não para dizer façam desta ou daquela maneira mas para sugerir para que se mantenha fiel ao espirito e garanta a tal espiritualidade”, frisou.

Para o ouvidor da Praia e pároco da Vila Nova, Pe. Emanuel Valadão Vaz, até “nem há muitos exageros” nesta zona, onde se cumpre de uma forma generalizada a tradição. Até com um grande envolvimento dos jovens.

“Muitos mordomos convidam os grupos de jovens para rezar e animar a recitação do Terço durante a semana e isso é uma forma de prender as novas gerações” adiantou.

“Eu próprio vou a casa dos Irmãos rezar o terço”, esclareceu mitigando um pouco a ideia de que a Igreja e as Irmandades façam a festa de costas voltadas.

Os impérios do Ramo Grande são os mais característicos da ilha Terceira e, diz o povo, que o dia de bodo é o maior da Terceira.

“Toda a gente sai para a rua, não há estratos sociais nem doutores, todos são iguais e isso é o espírito desta festa” acrescenta Leandro Ávila.

Hoje a forma como se vive esta tradição já é um pouco diferente com um cuidado inusitado na preparação do Altar onde estão as velas, as flores, o cetro e a bandeira.

Nalguns sítios as esmolas ainda são distribuídas em carros de bois, puxados pelos famosos animais, raça autóctone do Ramo Grande.

As irmandades são grandes e no dia do último bodo tiram-se as sortes ou pelouros e quem fica com o primeiro domingo é sempre “o mais felizardo” pois “fica com o Espirito Santo o ano inteiro em casa” e não apenas durante uma semana.

No tempo da festa tudo gira em torno do Império, onde estão todas a coroas dos irmãos, como é o caso de São Carlos, na cidade de Angra do Heroísmo.

Carla Bretão é a `procuradora´ este ano.

“Já tinha ajudado o meu pai no serviço ao Espírito Santo mas é a primeira vez que o faço a liderar a comissão. É uma honra e uma bênção” refere com os olhos marejados de lágrimas.

“É sempre assim. Sou muito prática mas comovo-me imenso com o Espirito Santo. É algo que nos toca, é uma força, é inexplicável. Sentimos que temos de louvar, através desta festa; temos de agradar à comunidade, não podemos falhar e ao mesmo tempo agradecer. São muitas emoções” adianta ainda.

No próximo dia 21 de setembro (o Império de São Carlos, que data de 181, é o último império grande na ilha Terceira) quando a `procuradora´ levar a coroa em cortejo, da sua casa para o Império, juntar-se-ão as outras 32 coroas que ficarão no Império durante uma semana. E tudo girará à volta desta pequena casa.

“É uma semana muito intensa. Rezamos o terço no império e depois há a outra festa profana ao redor, nas barraquinhas, com música à mistura” adianta Carla Bretão. Mas é na quinta-feira, `dia do pezinho´, que o império começa a ganhar mais densidade. Primeiro a ceia de criadores, depois as esmolas com a distribuição de uma porção de carne benzida a quem ajudou à festa. No sábado, quem for `pagar a Irmandade´, uma espécie de quota anual, pode optar entre uma porção de carne e outra de pão. Este ano serão 14 vacas abatidas para esta festa, mas “varia” de ano para ano consoante o número de criadores arrolados.

Nas cidades os impérios têm uma organização diferente e geralmente o procurador é alguém que é convidado de entre os irmãos.

O Espírito Santo é um culto muito vivo nos Açores. As festas começam sempre no primeiro domingo a seguir à Páscoa e prolongam-se durante todo o verão. Na Terceira, o último Império é o de São Carlos, geralmente sempre no último fim de semana de setembro.

 

O Igreja Açores foi “visitar” dois impérios na Vila Nova e em São Carlos.

 

A forma como hoje se vive o Espírito Santo é um reflexo do tempo e por isso, muitas vezes, corre-se o risco de a festa não ser celebrada com simplicidade e com fé na Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, alertam pessoas que já “serviram” o Espirito Santo seja como como mordomos seja como simples irmão. De resto, a forma como se vive e organiza a festa também varia muito. E não só de ilha para ilha. Mesmo dentro do mesmo pedaço de terra as variantes são grandes consoante seja uma freguesia mais urbana ou outra mais rural.

A ilha Terceira, onde o dia de bodo é um dos mais importantes do ano, é um desses exemplos. E embora o culto ao Espirito Santo passe sempre pelo altar- glorificação do Divino- e pela dispensa- a partilha das esmolas- a verdade é que a forma de o fazer é muito diversa.

Conceição Oliveira, da Vila Nova, alerta para um fenómeno que está a ganhar força e que pode provocar o desinteresse pela festa por parte dos mais novos.

“Nem sempre se celebra o Espírito Santo como se prometeu. Há muita sumptuosidade na forma como se faz a festa”, refere esta mulher habituada a servir o Senhor Espírito Santo no Ramo Grande, uma das zonas mais genuínas desta tradição que atravessa os Açores.

“O Espirito Santo é partilha”, mas a verdade é que “cada vez mais metade das esmolas é para pagar favores e fazer bonito”, refere com alguma mágoa, só aligeirada pela vontade de perpetuar esta tradição no tempo.

“É uma festa muito bonita e feita com fé é uma forma muito digna de nos sentirmos agradecidos por todas as bênçãos que recebemos”, esclarece, mas “temos de ter algum cuidado”.

“Antigamente rezava-se o terço e as pessoas, quando acabavam de rezar, eram convidadas a `gastar´ qualquer coisa, como uma fatia de massa cevada e um copo de vinho e à saída levavam o recado para que não se esquecessem do Espirito Santo. Hoje já não é assim: as mesas são fartas e autênticos banquetes restando pouco tempo para o essencial que é rezar e partilhar”, adianta ainda.

“Só falo nisto porque esta competição afasta as pessoas; cria o medo porque ninguém quer ficar atrás para não cair na boca do povo” refere sublinhando que ainda há gente “que não embarca nesta moda”.

Leandro Ávila, investigador, partilha do mesmo receio.

“Já se ouve, com muita frequência, aqui no Ramo Grande, as pessoas dizerem `nunca vou dar uma função porque não posso´ e isto não é a essência deste culto”, refere.

“A base disto é uma base franciscana de partilha. Evitar a sua adulteração é um desafio para todos nós, a começar pela Igreja” refere em declarações ao Igreja Açores.

Para este estudioso do Espírito Santo é um desafio para a igreja tentar gerir estas questões, assumindo que o sacerdote também deve “orientar” o povo, sobretudo no que diz respeito à parte da vivência espiritual da festa.

“O Espírito Santo assenta nestas duas realidades- o altar e as esmolas-. Se uma delas não existe, falha tudo”, adianta.

A relação da hierarquia com este culto nem sempre tem sido pacifica. Mas, para o investigador não se trata de a igreja dizer como deve ser festa mas orientá-la para aquilo que é essencial que é a vivência da espiritualidade própria deste culto, esclarece

“Há questões pastorais que devem ser salvaguardas pelo padre, não para dizer façam desta ou daquela maneira mas para sugerir para que se mantenha fiel ao espirito e garanta a tal espiritualidade”, frisou.

Para o ouvidor da Praia e pároco da Vila Nova, Pe. Emanuel Valadão Vaz, até “nem há muitos exageros” nesta zona, onde se cumpre de uma forma generalizada a tradição. Até com um grande envolvimento dos jovens.

“Muitos mordomos convidam os grupos de jovens para rezar e animar a recitação do Terço durante a semana e isso é uma forma de prender as novas gerações” adiantou.

“Eu próprio vou a casa dos Irmãos rezar o terço”, esclareceu mitigando um pouco a ideia de que a Igreja e as Irmandades façam a festa de costas voltadas.

Os impérios do Ramo Grande são os mais característicos da ilha Terceira e, diz o povo, que o dia de bodo é o maior da Terceira.

“Toda a gente sai para a rua, não há estratos sociais nem doutores, todos são iguais e isso é o espírito desta festa” acrescenta Leandro Ávila.

Hoje a forma como se vive esta tradição já é um pouco diferente com um cuidado inusitado na preparação do Altar onde estão as velas, as flores, o cetro e a bandeira.

Nalguns sítios as esmolas ainda são distribuídas em carros de bois, puxados pelos famosos animais, raça autóctone do Ramo Grande.

As irmandades são grandes e no dia do último bodo tiram-se as sortes ou pelouros e quem fica com o primeiro domingo é sempre “o mais felizardo” pois “fica com o Espirito Santo o ano inteiro em casa” e não apenas durante uma semana.

No tempo da festa tudo gira em torno do Império, onde estão todas a coroas dos irmãos, como é o caso de São Carlos, na cidade de Angra do Heroísmo.

Carla Bretão é a `procuradora´ este ano.

“Já tinha ajudado o meu pai no serviço ao Espírito Santo mas é a primeira vez que o faço a liderar a comissão. É uma honra e uma bênção” refere com os olhos marejados de lágrimas.

“É sempre assim. Sou muito prática mas comovo-me imenso com o Espirito Santo. É algo que nos toca, é uma força, é inexplicável. Sentimos que temos de louvar, através desta festa; temos de agradar à comunidade, não podemos falhar e ao mesmo tempo agradecer. São muitas emoções” adianta ainda.

No próximo dia 21 de setembro (o Império de São Carlos, que data de 181, é o último império grande na ilha Terceira) quando a `procuradora´ levar a coroa em cortejo, da sua casa para o Império, juntar-se-ão as outras 32 coroas que ficarão no Império durante uma semana. E tudo girará à volta desta pequena casa.

“É uma semana muito intensa. Rezamos o terço no império e depois há a outra festa profana ao redor, nas barraquinhas, com música à mistura” adianta Carla Bretão. Mas é na quinta-feira, `dia do pezinho´, que o império começa a ganhar mais densidade. Primeiro a ceia de criadores, depois as esmolas com a distribuição de uma porção de carne benzida a quem ajudou à festa. No sábado, quem for `pagar a Irmandade´, uma espécie de quota anual, pode optar entre uma porção de carne e outra de pão. Este ano serão 14 vacas abatidas para esta festa, mas “varia” de ano para ano consoante o número de criadores arrolados.

Nas cidades os impérios têm uma organização diferente e geralmente o procurador é alguém que é convidado de entre os irmãos.

O Espírito Santo é um culto muito vivo nos Açores. As festas começam sempre no primeiro domingo a seguir à Páscoa e prolongam-se durante todo o verão. Na Terceira, o último Império é o de São Carlos, geralmente sempre no último fim de semana de setembro.

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