Por Renato Moura
O povo açoriano é marcadamente religioso, mas a fé e a devoção ao Espírito Santo são aqui vividas, de uma forma muito mais intensa e abrangente, do que a religiosidade em geral.
Creio que se poderão identificar alguns factores que contribuirão para esta fé tão popular e arreigada: ensinaram-nos que Ele está como que visivelmente presente nos símbolos – as coroas e as bandeiras encimadas pela pomba – proximamente disponíveis à veneração de todos nas muitas Casas do Espírito Santo existentes, por vezes mais de uma em cada freguesia; os milagres realizados por Jesus estão à distância histórica de milénios, mas muitos dos milagres atribuídos ao Espírito Santo foram testemunhados por pessoas conhecidas, ou por antepassados próximos, ocorridos em locais públicos, transmitidos com fidelidade, envolvendo situações em que a simples sensibilidade da vivência e conhecimento humano permitem confirmar como factos extraordinários e só possíveis por intervenção divina.
Note-se também: o Espírito Santo é visto como um Deus de proximidade, que percorre com frequência, ao longo do ano, os caminhos e veredas de cada lugar, que visita a casa de todos, sejam ricos, pobres, ou qualificados de pecadores; os irmãos têm e aproveitam a faculdade de ter o Espírito Santo em suas próprias casas, constroem-Lhe o melhor altar, recebem-No como a única pessoa da Santíssima Trindade que podem ter tão próximo de si, alegram-se por ter Deus tão perto, por Lhe poder rezar directamente; festejam essa dádiva com familiares, amigos e todos os que se apresentam, e choram na partida; não há hierarquias impostas, mas são os próprios crentes a escolher os seus dirigentes, os foliões são gente da sua, quem orienta com preceito a recitação do terço é um dos devotos.
Tenha-se ainda em conta: a partilha do pão e do vinho é efectiva e corporizada nos jantares do Espírito Santo, com prioridade para os pobres, mas chegando a todos; nos cortejos há uma grande incorporação de crianças, que têm a honra e responsabilidade de serem portadoras dos símbolos; é um culto celebrado com alegria, sempre em ambiente de festa, que arrasta pessoas de umas para outras comunidades.
Na realidade há muitos católicos que não mantêm uma prática religiosa habitual, mas que expressam a sua fé e participam activamente no culto ao Espírito Santo.
Radiosa a iluminação do Espírito Santo e muito firme é a perseverança do povo açoriano. Importa, porém, ter presente que não faz sentido ser pelo Espírito Santo, sem ser pelo Pai e pelo Filho, que são um único Deus.