Por Carmo Rodeia
Correndo o risco de não ser original, até porque já se ouviram comentários para todos os gostos e feitios, e ciente de que este não é o sitio para análises políticas ou ideológicas, vou procurar fazer a minha leitura do que se passou ontem à noite quando chegaram os resultados das eleições que, entre quinta-feira e domingo, serviram para escolher os 751 deputados que formam o Parlamento Europeu.
Foi, de facto o mais gigantesco exercício de democracia, na sua dimensão, apenas superado pelas eleições indianas, embora, ao contrário do que aconteceu na India, nestas eleições, no berço da civilização ocidental, tenha sido anã a participação do eleitorado: só 51% dos eleitores foram votar no total dos 28 estados-membros. Em Portugal bateram-se todos os recordes da abstenção, com 69% dos eleitores a absterem-se, isto é, a não exercerem um dever cívico, que é também um dos direitos fundamentais da democracia. Nos Açores bateram-se ainda mais recordes ficando a abstenção no valor absurdo de 81%.
Portanto, a primeira nota que gostaria de deixar, a partir do espelho da nação portuguesa, é que gostamos de reclamar mas quando chega a hora de agir (porque o voto é também uma `arma´) encolhemo-nos. E, neste como noutros casos, não deveria ser assim. Desde logo porque o Parlamento Europeu é a única (mas mesmo a única) instituição da União Europeia eleita por sufrágio direto e universal. Mas, também, porque (quase) tudo o que os eurodeputados fazem e aprovam tem impacto na vida quotidiana de 426 milhões de europeus.
A abstenção é um mal. Tradicionalmente olhamos para ela e julgamo-la de forma incorreta, mas era bom que começássemos a olhar para ela de outra forma e a fazer dela uma leitura política pois já lá vai o tempo em que o estado do tempo era uma justificação para levar ou afastar as pessoas até a uma mesa de voto. Se chove ou faz calor pouco importa no gesto de votar. Um abstencionista, que reiteradamente não vota, como ouvimos ontem ao longo do dia nas várias reportagens televisivas, tem tantas motivações políticas como um votante. São, simplesmente, motivações diferentes. E, por isso, mais cedo ou mais tarde, haverá alguém político ou outro que conseguirá levá-los a mudar de lado, trocando a abstenção pelo voto. Se for um democrata estamos safos mas se for um populista não sei se estaremos. Esta era a segunda nota que gostaria de deixar, entrando já na terceira que é o desfasamento entre candidatos à eleição e eleitores.
Durante esta campanha eleitoral houve uma inconcebível e incompreensível ausência de Europa. As arruadas, o cheiro das feiras e dos mercados de peixe são um modelo gasto, a que acrescem os insultos pessoais sem cabimento, a guerrilha da pequena política ou os soundbites, só para ser diferente. Tudo isto provou que o vazio das ideias passou para a opinião pública que, em larga escala, não se reviu nas propostas dos candidatos, até porque ou eram poucas ou muito pouco claras. Houve pouca Europa e muita questiúncula nacional, em Portugal como noutros países, e isso não ajudou a aproximar os cidadãos da Europa nem fez com que eles se sentissem motivados a votar. A começar pelos jovens, cada vez mais militantes em causas circunstanciais mas suficientemente acomodados na escolha de soluções mais duradoiras. Os temas europeus continuam a não interessar e a não motivar. Mas pior que isso é o facto de cada vez mais as pessoas não se reverem nos atuais partidos políticos e sobretudo nas guerras intestinas em que se envolvem interna e externamente.
O PAN em Portugal e os Verdes na Europa constiuiram as grandes surpresas destas Europeias. Numa leitura mais global: o centro afundou e as questões da natureza entraram mesmo na agenda, deixando a direita a implodir.
Outra nota dominante prende-se com o crescimento dos partidos populistas que não tendo crescido tanto como se dizia, cresceram o suficiente para um redesenho dos grupos parlamentares no lado direito do espetro político, onde existem já três bancadas de eurocéticos.
Só não vê a gravidade disto quem não quer. A clareza das propostas deu votos e nisso os populistas são exímios; a hibridez de algumas soluções e os ataques à moda da velha política motivaram a indiferença.
O ambiente democrático é, por isso, cada vez mais frágil, porque aqueles que o sustentam estão ausentes.
O velho continente está política e humanamente fragmentado. João Paulo II dizia que a Europa tinha dois pulmões: o do ocidente e o de leste. Acrescento-lhe mais dois: um a sul e outro a norte. A questão é saber se algum deles bate em prol dos outros e, sobretudo, em prol das pessoas. Cada vez tenho mais dúvidas. Saudosismos à parte, antigamente, os muros , como o de Berlim, serviam para não deixar as pessoas saírem. Agora, servem para impedi-las de entrar. Esta não é a Europa em que me revejo: animais tão importantes como as pessoas; a vida humana descartável como uma embalagem; racismo; xenofobia; liberdade de expressão condicionada para os que pensam de maneira diferente…o meu voto no domingo não foi para isto. Tenha pena. Muita pena…