O Pe Duarte Gonçalves da Rosa, Mestre de Capela da Sé, acaba de ser nomeado Mestre-de-Cerimónias da Catedral
Sacerdote há 27 anos, é também o Presidente da Comissão Diocesana de Música Sacra, a primeira do país a produzir um documento orientador do ponto de vista musical para as celebrações de sacramentos, como por exemplo, o matrimónio.
Em entrevista ao Portal da Diocese refere como vai desempenhar as suas funções; defende a criação de uma escola de acólitos com vista á formação liturgica e espiritual de quem ajuda nas celebrações e a necessidade de se escolher “com rigor e ponderação” o que se pode fazer e ouvir dentro de uma igreja
Igreja Açores- Como se sente por ser um dos poucos Mestres de Cerimónia de uma catedral em Portugal?
Pe Duarte Gonçalves da Rosa- Trata-se de um serviço litúrgico que tentarei desempenhar dando o meu melhor, assumindo a responsabilidade pelo bom ordenamento das ações sagradas, e velando para que as mesmas sejam executadas pelos ministros sagrados e fiéis leigos com dignidade, ordem e piedade. O disposto no n.º 1016 do Enquirídio dos Documentos da Reforma Litúrgica alerta para a conveniência de, nas Igrejas Catedrais e nas de maior importância, haver um Mestre-de-cerimónias.
Igreja Açores- Quais serão as suas atribuições específicas?
Pe Duarte Gonçalves da Rosa- Sintetizando o que diz o Cerimonial dos Bispos e a Instrução Geral do Missal Romano: preparar e dirigir as celebrações litúrgicas, em colaboração com o Bispo e demais intervenientes nas mesmas, de modo a que estas brilhem pelo decoro, simplicidade e ordem.
Igreja Açores- Que importância tem, efetivamente, o cargo no contexto da Sé de Angra?
Pe Duarte Gonçalves da Rosa- Na Sé de Angra, o Mestre-de-cerimónias será responsável pelos grupos e movimentos litúrgicos – grupo coral, leitores e acólitos. Assim, desta íntima colaboração com cantores, salmistas, responsáveis pelas leituras bíblicas e servidores do altar, decorrerá a dignidade das celebrações e a participação frutuosa de todos.
Seria muito interessante, e salutar até, um projeto interparoquial de uma escola de acólitos, na zona de Angra.
Igreja Açores- Como é que esse projecto poderia ser executado?
Pe Duarte Gonçalves da Rosa-Primeiro, será necessário propor esse projeto. Depois de aceite, há que pensar no seu funcionamento prático.
Porém, a minha ideia era que essa escola funcionasse duas vezes por mês, e os acólitos, oriundos das diversas paróquias que aderissem, tivessem formação litúrgica e espiritual. Para a primeira haveria formadores fixos, para a segunda, alternariam os párocos entre si – ou alguém que se considere oportuno e pertinente.
Para além do serviço do acolitado nas suas igrejas, os «alunos» colaborariam nas festas das paróquias dos seus colegas e, na Catedral, nas celebrações solenes presididas pelo Bispo.
Seria de pensar, também, uma eventual participação de todos no Encontro Nacional de Liturgia, que se costuma realizar anualmente, em Fátima.
Igreja Açores- Já era Mestre de Capela da Sé. Como conjugará os dois ofícios?
Pe Duarte Gonçalves da Rosa- Desde há alguns anos que venho preparando um assistente que, neste momento, já exerce as funções de diretor do coro litúrgico. Assim, continuarei essa preparação, aprofundando-a mais ainda, uma vez que Jorge Barbosa passará a dirigir os pontificais e o grupo instrumental. O meu trabalho de Mestre de Capela será, a partir de agora, ainda mais de retaguarda: escolha de reportório, arranjos musicais e apoio nos ensaios.
Igreja Açores- Existem celebrações muito ritualizadas e com um guião que, em bom rigor, a generalidade dos sacerdotes conhece. De que forma pode o Mestre-de-cerimónias facilitar o trabalho de quem está a presidir à celebração?
Pe Duarte Gonçalves da Rosa- Preparando, atempadamente, todos os detalhes para que a cerimónia decorra com a necessária beleza, mística e elevação espiritual, de modo a concorrer para a oração e íntima comunhão com Deus. Tal não dirime a necessária preparação de quem preside e dos demais intervenientes.
Igreja Açores- É também o presidente da Comissão Diocesana de Música Sacra (CDMS) que acaba de divulgar uma espécie de “regulamento” para o cerimonial do matrimónio. Porque é que surgiu esta necessidade?
Pe Duarte Gonçalves da Rosa- Devido ao descontentamento de alguns Párocos, face a descomedimentos e despropósitos, bem como à necessidade de uniformização de critérios. Como bem disse o meu Colega, P.e Marco Luciano, Vice-presidente da CDMS e Diretor do Serviço Diocesano de Liturgia, estes princípios destinam-se a «evitar comportamentos abusivos e fora do contexto próprio das celebrações de sacramentos». A Comissão elaborou as orientações e procedimentos, que refere, por solicitação do Senhor Bispo, que já os aprovou.
Ademais, o Serviço Nacional de Música Sacra, ao qual pertenço, está a preparar uma coletânea de música para o Matrimónio, que incluirá peças musicais para várias formações vocais e instrumentais, contemplando diversos graus de dificuldade. Essa compilação destina-se a satisfazer os objetivos propostos pelas notas introdutórias do Ritual do Matrimónio, pela Instrução Geral do Missal Romano e outros documentos da Igreja sobre este assunto.
A música instrumental, dita clássica, será contemplada com orientações claras sobre a sua escolha.
Sabendo dos princípios que norteiam esta tarefa do Serviço Nacional, a Comissão Diocesana, a pedido do Prelado, adiantou-se um pouco ao que, muito em breve, deverá ser aprovado pela Conferência Episcopal Portuguesa.
Igreja Açores- A igreja é, para além de um lugar de culto, um espaço público de “consumo” espiritual mas também artístico, desde o património à música. A Comissão vai também propor algum procedimento no que diz respeito, por exemplo, à realização de concertos nas igrejas?
Pe Duarte Gonçalves da Rosa- É manifestamente impróprio falar-se de “consumo”, com ou sem aspas, em relação à liturgia e a todos os atos públicos realizados numa igreja. Pretende-se sempre, mesmo em concertos, necessariamente fora da liturgia, que seja o Evangelho, através da beleza artística nele haurida, a ter a última palavra. Assim, é sempre um “convite”, nunca um “consumo”. Aliás, uma igreja é sempre um lugar sagrado, merecedor de todo o respeito por parte de crentes e não crentes; por isso, alguns espetáculos poderão ser absolutamente indignos e reprováveis dentro de local sagrado. Dir-se-ia mesmo que o bom gosto, a decência e a honestidade intelectual são indispensáveis para quem lida com os templos, mesmo desvinculados do culto.
Em relação à sua pergunta, a Comissão Diocesana emanou, com aprovação episcopal, uma proposta de procedimentos para a realização desse tipo de eventos. É óbvio que um concerto não é um sacramento nem uma celebração litúrgica.
IgrejaAçores- Quais são esses principios?
Pe. Duarte Gonçalves da Rosa-Os princípios fundamentais desse documento são os seguintes:
1. Música feita para a glória de Deus e, por tal, totalmente adequada a ser interpretada em espaços consagrados.
2. Música que não foi feita para a glória de Deus, mas que não entra em conflito com ela, sendo permitida a sua interpretação em espaços consagrados.
3. Música composta em conflito com a glória de Deus, logo, a sua execução é totalmente inadequada em espaços consagrados.
É preciso bom senso, sem cair em rigores fundamentalistas e obsoletos; não obstante, a maior flexibilidade de escolha de um programa de concerto num espaço consagrado não deverá esquecer essa circunstância.
Em breve, o Serviço Nacional de Música Sacra disponibilizará diretrizes sobre esta matéria que, se necessário, serão adaptadas ao contexto da Diocese de Angra e à realidade açoriana.