O sacerdote bracarense inaugurou o conjunto de conferências das III Jornadas de Teologia promovidas pelo Seminário de Angra
“A via sapencial das artes na liturgia: desafios contemporâneos” foi o tema da primeira conferência das III Jornadas de Teologia, promovidas pelo Seminário Episcopal de Angra, que ontem arrancaram na cidade património procurando abordar a questão do belo nas diferentes disciplinas e o diálogo entre a teologia e a arte.
Joaquim Félix, liturgista e sacerdote da diocese de Braga, lembrou que a liturgia não é pedagogia nem catequese , “sendo a sua razão de ser Deus e, nela os filhos de Deus alegram-se pela Sua presença através da arte”.
A partir da concepção de Romano Guardini, expressa no livro “O Espírito da Liturgia”, de que esta não é tanto uma doutrina a compreender mas uma fonte de luz e de vida para a inteligência e a experiência do mistério e, por isso, um jogo para o qual deve haver uma educação dos cristãos, o sacerdote bracarense sublinhou a necessidade de compreender a liturgia e a forma como dialoga com a arte.
Tal como os sacramentos, a liturgia deve ser simples porque estamos a tratar de um meio para entrarmos no mistério de Deus, projeto salvífico da humanidade, defendeu.
“Precisamos cuidar a liturgia com obras de arte autênticas. É verdade que vão aparecendo mas pontualmente quase como milagres da arte”, sublinhou alertando para a necessidade de “ativar o diálogo com os artistas” que, segundo o Pe. Joaquim Félix desejam “formação e conselhos” .
“Eles estão à nossa espera; procuram interlocutores da igreja bem formados capazes de um diálogo critico, com respeito pelas competências” procurando refrear alguma “auto-referencialidade dos artistas” ou a tentação “um certo esteticismo”.
“Para a liturgia se tornar o que é, é preciso envolver-nos com os sentidos e sentimentos de forma disciplinada”, afirmou.
“Temos de libertar a liturgia de ruído e de plástico, de interpretações equivocadas da reforma litúrgica do Vaticano II, dos abusos para a tornar mundanamente atraente e espetacular” advertiu ainda o sacerdote destacando que “a negligência que desconheça a arte de celebrar, torna a liturgia um conjunto de gestos que nos afastam do Evangelho e não despertam a fé nem caridade”.
O liturgista durante a sua conferência citou abundantemente os documentos do magistério bem como ensaios e livros de autores e investigadores desta área, e defendeu um cuidado exemplar dos espaços litúrgicos, conferindo-lhes “autenticidade”. E deu vários exemplos que passam pela arquitetura, pelas alfaias litúrgicas, pelo canto, entre outros. Em todas as expressões, o Pe. Joaquim Félix defendeu “despojamento”, “honestidade dos materiais usados”, “respeito pela iconografia própria” e sobretudo dar “espaço ao silêncio” para que a “palavra tenha espaço”. E, exemplificou: “A maneira como construímos as nossas igrejas constitui a manifestação por excelência da qualidade nossa vida eclesial e de comunhão no corpo de Cristo”.
O sacerdote, que é vice-reitor do Seminário Conciliar de São Pedro e São Paulo, destacou ainda o risco de hoje, através de alguns revivalismos, se impedir a participação de todos os fieis numa celebração. Aliás, o sacerdote alertou para o perigo inerente a um certo conservadorismo, ritualismo e práticas “que se legitimam num passado que dá segurança mas não liberta o espírito humano e “serve os apetites do homem”.
“Não falta gente a tentar preservar a todo o custo o sagrado como se fossem guardiões dos tesouros do passado, muitas vezes marcados por um fetichismo capitalista que explora e infantiliza os batizados” afirmou o sacerdote sublinhando que o que ainda é mais grave é que o fazem “em nome da conservação e da coesão do grupo”. E alertou: “este tipo de conservadorismo fomenta uma espécie de clericalismo”.
O sacerdote, que recuperou a expressão de Enzo Bianchi, de que hoje por vezes pelos excessos se deu “o exílio do Evangelho das nossas Igrejas”, valorizando o acessório em vez do essencial, concluiu que o grande desafio é garantir a beleza da liturgia a partir da escuta da palavra, dando tempo e lugar para a dinâmica própria do sacramento.
“A fé deve ser comunicada através da mediação das obras de arte e comunicada de forma credível em cada tempo e assim a arquitetura e a criação de obras de arte, a depuração de alguns espaços, são como que sacramentos visíveis de uma graça invisível na sua nobre simplicidade. Tal como os sacramentos a liturgia deve ser simples porque estamos a tratar de um meio para entrarmos no mistério de Deus, projeto salvífico da humanidade”, disse ainda o sacerdote.
Hoje, no segundo dia das Jornadas de teologia que têm como tema “Arte: expressão que transcende”, usarão da palavra o padre Cipriano Pacheco, professor do Seminário Episcopal de Angra, que falará sobre “ A estética e mística em São Tomás de Aquino”, seguindo-se a intervenção de Alexandre Palma, professor na Universidade Católica, sobre “Estética e Teologia. Contexto, fundamentos e desafios”.