Mário Machado destaca a visita de João Paulo II a Ponta Delgada como um marco emblemático na sua vida política e pessoal.
visita de João Paulo II aos Açores, em particular a Ponta Delgada, foi o ponto mais alto do meu mandato enquanto Presidente da Câmara. Diria que, se houvesse alguma coisa que tivesse de destacar desta minha aventura que foi liderar o maior município dos Açores, destacaria a viagem do Santo Padre a Ponta Delgada, que foi um motivo de orgulho institucional e uma graça pessoal.
Por isso, como cristão e como crente, achei esta visita uma bênção que nunca tinha imaginado que pudesse vir a receber.
Por outro lado, como presidente da Câmara senti, talvez pela única vez, a cidade de Ponta Delgada a congregar toda a ilha à sua volta. Toda a gente veio à cidade. Outro aspeto inédito foi a harmonia entre as forças políticas, sociais, as forças vivas e a população. Não vi alguém a atrever-se a discordar, até mesmo os ateus, os não crentes. A região pela primeira vez foi uma região unida e, isso só por si, deve ser sublinhado.
Não recebi o Papa em audiência privada mas recebi um presente das mãos dele e fiz-lhe duas ofertas: uma institucional- uma salva de prata escolhida unanimemente até por um ateu da vereação- e uma pessoal – uma medalha que o meu pai me tinha oferecido quando fui estudar para Lisboa e que só podia entregar a uma de duas pessoas: ao meu filho ou a alguém muito especial. Entreguei ao Papa João Paulo II.
Além disso, nesse momento, recordo que ele teve palavras muito calorosas e efusivas para comigo sublinhando a minha devoção ao Senhor Santo Cristo dos Milagres.
Foram palavras muito reconfortantes sobretudo vindas de uma pessoa com milhentas coisas na cabeça e que reteve o que lhe disseram sobre mim e soube retribuir no momento certo. Imagine-se como é que eu me senti e, como ainda hoje me sinto, quando me lembro desse momento absolutamente fantástico na minha vida. Um momento que nunca pensei poder viver, mas vivi!
Passados estes anos todos ainda me arrepio. A única fotografia que guardo dos meus tempos de política e que está numa moldura exposta em casa é justamente aquela em que estou ajoelhado diante do Papa.
O Papa João Paulo II significou para mim uma lufada de ar fresco no mofo da Igreja. Assemelhava-se a uma pessoa moderna que conseguia motivar todos e contagiava com o seu entusiasmo. Era um homem de paz, de concórdia e isso sentia-se quando se estava ao pé dele e eu tive esse privilégio.
Além disso, simbolizava a esperança de um conjunto de mudanças dentro da igreja – algumas foram concretizadas e outras não-. Mudanças que eram necessárias e que hoje o próprio Papa Francisco está a tentar fazer.
Ameaçou acabar com tabus e conseguiu terminar com alguns, mas não todos. Por exemplo, a questão do celibato obrigatório dos padres; a impossibilidade dos católicos recasados poderem comungar; a proibição do uso do preservativo; a comunhão dos divorciados… gostava que ele tivesse ido mais longe.
Se calhar são esses os temas que me afastam do catolicismo, não do cristianismo. Aliás, eu diria que sou mais cristão do que católico. E, entendo que há certas práticas da Igreja católica romana que afastam mais do que unem ou integram. E, nesse aspeto, o Papa João Paulo II não conseguiu romper com algumas dessas práticas.
Talvez o atual Papa possa trilhar esse caminho. Mas sobre Francisco não gostaria de me pronunciar. Preciso de mais um ano. O que vejo, o que oiço e o que leio agrada-me mas gostava de perceber se na prática ele vai mais longe do que foi João Paulo II e o seu pontificado não se salde por “uma entrada de leão e uma saída de sendeiro”.
João Paulo II desbravou caminho, trilhou alguns metros mas não cumpriu na totalidade as expetativas que criou, sobretudo junto dos mais novos.
Mas, quero sublinhar que foi este caminho que obrigou a muitas mudanças, que ensaiou pedidos de desculpa e que fez com que muita gente se reconciliasse com o cristianismo e com a igreja.
E, só por isso, foi um pontificado que valeu a pena.