Por Carmo Rodeia
Estamos a chegar ao fim de mais um ano e, por isso, impõe-se fazer neste tempo o balanço do que passou e perspectivar o que se avizinha, no ano novo que aí vem. O exercício, com tudo o que tem de subjetividade, não é fácil e sobretudo não é muito animador.
Do ponto de vista do país vivemos e continuamos a viver um clima de pré campanha eleitoral. 2018 termina com uma forte agitação social, marcada por dois verbos essenciais: repor e descongelar, com as várias corporações a engalfinharem-se e a disputarem os recursos disponíveis que o Estado diz ter recuperado mas cuja fatura ainda está por conhecer. E, todos os dias chegam anúncios de mais greves. Para este início de 2019, temos as greves dos enfermeiros, dos guardas prisionais, dos oficiais de Justiça, dos juízes, dos magistrados do Ministério Público, dos professores… O Estado que continua incapaz de resolver problemas estruturais está cada vez mais refém das corporações e os que delas não fazem parte continuam órfãos de quem os defenda.
Por outro lado, o ano que chega na terça-feira será um ano em que Portugal estará em campanha eleitoral até Outubro. O ano em que o euro cumpre duas décadas. Em que a União Europeia ficará com menos um Estado-membro ( e não é um qualquer!) pela primeira vez na sua história. Será também o ano em que vamos perceber se as tendências nacionalistas e populistas, que têm invadido o mundo, em particular a Europa, são conjunturais ou vieram para ficar.
Por isso, entre o balanço de 2018 e o que se antevê para 2019 diria que vamos continuar a viver entre dois mundos: o da propaganda dos partidos e dos líderes que estão no poder que nos dizem que a sociedade é cada vez mais perfeita enquanto à volta tudo se vai esboroando: valores, direitos e até princípios civilizacionais, fundantes do mundo livre.
Na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, o primeiro dia do ano, o Papa Francisco, cada vez mais o líder com maior autoridade moral no mundo mas também o que mais parece pregar na aridez dos corações dos políticos do seu tempo, embora seja publicamente citado por muitos deles, convida-nos à paz: “a paz esteja nesta casa”, recuperando o que Jesus disse aos discípulos quando lhes confiou a missão da evangelização.
Este desejo é acompanhado de um desafio à “boa política”, como “meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem”. O Papa lembra, de resto, que é preciso tomar a sério a política nos seus mais diversos níveis- local, regional, nacional e mundial- como forma de proteger as pessoas que habitam neste mundo e trabalhar para criar as condições dum futuro digno e justo.
“Se for implementada no respeito fundamental pela vida, a liberdade e a dignidade das pessoas, a política pode tornar-se verdadeiramente uma forma eminente de caridade” afirma o Sumo Pontífice.
“Cada um pode contribuir com a própria pedra para a construção da casa comum. A vida política autêntica, que se funda no direito e num diálogo leal entre os sujeitos, renova-se com a convicção de que cada mulher, cada homem e cada geração encerram em si uma promessa que pode irradiar novas energias relacionais, intelectuais, culturais e espirituais” prossegue Francisco.
Não há paz com medo e hoje as sociedades, por causa de quem as governa, assentam cada vez mais no medo: o medo dos migrantes, o medo dos mercados, o medo do terrorismo, o medo da violência, o medo da guerra, o medo do outro ter mais do que nós… o medo. Quando olhamos para o lado e vemos no outro uma ameaça, qualquer que seja a sua natureza, temos medo e se temos medo não conseguimos ter paz. Não havendo paz não haverá desenvolvimento nem progresso.
No ano de 2019 vou continuar a combater o medo. Não se trata de uma profissão de fé mas de um inconformismo perante uma sociedade e um mundo que rouba a esperança às pessoas. Cresci na esperança de um amanhã melhor. Não sei se fui capaz de transmitir isso aos meus filhos. O que sei é que não podemos continuar presos ao passado, procurando sempre repor e descongelar. No próximo ano, pelo menos em Portugal, espero que os verbos sejam construir e avançar. Talvez assim consigamos pensar hoje o amanhã em vez de tentarmos recuperar apenas o amanhã com os olhos postos no ontem. É um inconformismo em nome da esperança… só isso!
Feliz ano de 2019.