Ano termina com mais uma ação do Santo Padre: afastar dois cardeais
O escândalo dos abusos sexuais cometidos por padres foi um dos grandes desafios do ano do papa Francisco, que afastou bispos e cardeais, pediu desculpa às vítimas e marcou para 2019 uma cimeira mundial sobre este tema no Vaticano.
O abuso sexual contra crianças durante anos e anos chegou mesmo a ser classificado pelo secretário do papa emérito Bento XVI como “o 11 de setembro da Igreja Católica”, um momento apocalíptico com incontáveis vítimas.
Em janeiro, durante uma visita ao Chile, o papa encontrou uma população revoltada com a Igreja local e classificou de calúnias as acusações que pendiam sobre o bispo chileno Juan Barros de ter encoberto casos de abusos.
Mais tarde reconheceu que estava mal informado, enviou um especialista em crimes sexuais cometidos pelo clero para uma investigação mais séria, pediu desculpa às vítimas, no geral, e depois individualmente em audiências no Vaticano com algumas delas.
O que o seu enviado ao Chile veio a descobrir e a relatar acabou por desencadear uma renúncia em bloco dos bispos chilenos, aceite pelo papa, assim como um compromisso de reparação dos danos e de mudanças na Igreja.
As vítimas aplaudiram, e as autoridades policiais avançaram com uma investigação que ainda decorre e que já levou à identificação de mais de 200 vítimas e à abertura de 139 processos.
Mas os relatos e as notícias de abusos tiveram também impacto na Igreja dos Estados Unidos, Alemanha, Irlanda, Holanda e Austrália.
Na Alemanha, um relatório interno encomendado pela Conferência Episcopal alemã aponta para a existência de 3.677 casos de abusos sexuais cometidos por 1.670 elementos da Igreja Católica entre 1946 e 2014.
Já na Holanda pelo menos 20 bispos e cardeais holandeses foram associados a abusos sexuais.
Nos Estados Unidos, um relatório de um grande júri da Pensilvânia informou que pelo menos mil crianças foram vítimas de 300 padres nos últimos 70 anos, e que gerações de bispos falharam repetidamente na tomada de medidas para proteger a comunidade e punir os violadores.
Na Austrália, o cardeal George Pell, que dirigia a secretaria da Economia do Vaticano, foi considerado culpado por um tribunal em Melbourne de abuso sexual a duas crianças.
George Pell é o primeiro alto funcionário da cúria romana acusado em supostos crimes de pedofilia, mas sempre se declarou inocente das acusações. Um dia antes da condenação, o papa afastou-o do seu círculo de conselheiros.
Em agosto, a poucos dias de uma visita à Irlanda, o papa escreveu a todos os católicos do mundo, condenando o crime de abuso sexual por parte de padres e exigindo responsabilidades.
Na carta, o papa Francisco pediu perdão pela dor sofrida e disse que os leigos católicos devem envolver-se na luta para erradicar o abuso e o seu encobrimento.
“Com vergonha e arrependimento, reconhecemos, como uma comunidade eclesial, que não estávamos onde deveríamos estar, que não agimos da melhor forma, percebendo a magnitude e a gravidade dos danos que causámos a tantas vidas”, escreveu Francisco, acrescentando: “Nós não protegemos os mais pequenos, nós abandonámo-los”.
Na Irlanda, o papa Francisco encontrou-se com vítimas de abusos sexuais e lamentou a forma como a Igreja irlandesa respondeu aos crimes de abusos sexual.
Desde 2002, mais de 14.500 pessoas declararam-se vítimas de abuso sexual por padres na Irlanda. A hierarquia da Igreja irlandesa é acusada de ter encoberto centenas de sacerdotes.
Várias investigações também revelaram adoções ilegais de crianças filhas de mães solteiras realizadas pelo Estado irlandês com a cumplicidade da Igreja Católica.
O último dia da visita ficou marcado pela divulgação de uma carta do ex-núncio em Washington, o arcebispo Carlo Maria Vigano, que acusou o papa Francisco de ter anulado sanções contra um cardeal e de ter ignorado as descrições do seu comportamento homossexual predatório junto de jovens seminaristas e sacerdotes.
O ex-núncio nos Estados Unidos pediu a renuncia do papa, assegurando que Francisco conhecia desde junho de 2013 as acusações de abusos sexuais sobre o cardeal Theodore MacCarrick, sancionado em junho pelo pontífice.
Dias depois, os bispos portugueses foram os primeiros a manifestar apoio ao papa Francisco, mostrando-se disponíveis para seguir as suas orientações para erradicar a “chaga” do abuso de menores por padres.
“Neste momento, perante tentativas de por em causa a credibilidade do seu ministério, queremos manifestar-lhe a nossa fraterna proximidade e o total apoio à sua pessoa, a plena comunhão com a sua missão de pastor universal e completa adesão ao seu magistério”, referia a carta dos bispos de Portugal.
Francisco recusou comentar as acusações e a 12 de setembro decidiu marcar uma cimeira sobre abusos, a realizar em fevereiro de 2019, convocando os presidentes de todas as conferências episcopais da igreja católica.
“O Santo Padre, depois de ouvir o Conselho de Cardeais (C9), convocou uma reunião com os presidentes das conferências episcopais de todo o mundo para discutir a prevenção do abuso de crianças e adultos vulneráveis”, disse a vice-diretora do gabinete de imprensa do Vaticano, Paloma García Ovejero.
O anúncio foi feito no seguimento do encontro do “C9″, o grupo de cardeais que aconselha o papa sobre a reforma das estruturas da Igreja, que manifestou a sua “plena solidariedade ao papa perante pedidos de renúncia”.
Na mesma semana, o papa reuniu-se com vários responsáveis da Igreja Católica dos Estados Unidos, entre os quais o presidente da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, após os escândalos de abusos que a atingiram, e aceitou a renúncia do bispo americano Michael J. Bransfield, que, em 2017, foi acusado de abuso sexual de menores na diocese de Filadélfia (EUA).
Após a reunião, o presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCCB) disse que, juntamente com o papa Francisco, está a procurar encontrar os passos mais eficazes na luta contra os abusos na Igreja.
Os vários casos de abusos sexuais pelo mundo foram um dos maiores desafios do papa em 2018, mas também é previsível que o seja em 2019.
Francisco está ciente disso e já afirmou publicamente que estes escândalos estão a afastar os fiéis católicos e que a Igreja deve mudar os seus caminhos se quiser manter as gerações futuras.
(Com Lusa)