Francisco Botelho, maestro do coro da matriz de Ponta Delgada regeu 300 vozes oriundas de toda a ilha de São Miguel.
“Foi com estas palavras que João Paulo II cumprimentou o coro terceirense, no final da Missa em Angra do Heroísmo. Mas o coro de Ponta Delgada não lhe ficou atrás.” Estas são palavras que se puderam ler em vários jornais da imprensa regional, no dia 12 de maio de 1991.
Mas a preparação para o grande acontecimento começou muito antes.
Dezembro de 1990. Fui convocado pelo Padre José Ribeiro (mais tarde Monsenhor) para uma reunião muito estranha. Não tinha assunto. Fiquei intrigado. De que se trata? Mas, por mais que eu insistisse, o Padre José Ribeiro não me esclarecia qual o assunto que ia ser tratado. “É um assunto confidencial. Vão estar lá várias pessoas e tu também és importante.”
Chegou o dia e a hora. Lá estava eu com as minhas interrogações vendo alguns conhecidos com as mesmas dúvidas que eu e, mais estranho ainda, quem inicia a reunião é Monsenhor Augusto Cabral, Vigário Geral da Diocese que toma a palavra e nos dá a Notícia Bombástica. “Meus amigos, o Papa vem aos Açores!”. Fiquei atónito. Parece-me que os outros também. E de imediato acrescenta “Isto não pode sair daqui.”
Não se sabia bem qual era a data… seria por volta de 13 de Maio… o Vaticano ainda não tinha confirmado.
Foram distribuídas tarefas pelos presentes. Escolha do local: No estádio? Impossível é muito longe do Aeroporto. Não conseguimos garantir a segurança. Campo de S. Francisco. “Senhor Arquiteto, precisamos de um recinto condigno.” … “O Papa quer venerar o Senhor Santo Cristo dos Milagres.” Eram imensas coisas a caírem-me na cabeça ao mesmo tempo. “Tu e o Ildeberto Piques podem encarregar-se de organizar o grupo coral?” Para mim foi uma ordem. “O Vaticano vai mandar as músicas.”
Primeiro tenho de libertar-me de todos os trabalhos extra. Eu costumava tocar os bailes de carnaval. Deixei tudo. Agora é o Papa e só o Papa. Só não deixei o meu emprego! Era uma alegria imensa estar de perto com o Papa, e este que eu sabia que era bondoso. Um santo homem de Deus. Estava nervoso, sentia aquele “tremorsinho” no estômago… Não havia retrocesso possível…
Chegaram as Músicas. Comecei as instrumentações. Reuni-me com o Ildeberto. “Vamos mobilizar toda a gente. Eu fico com as paróquias do Sul da Ilha e tu ficas com as do Norte. Vamos trabalhar por ouvidorias; contactar chefes de capela das Matrizes. Marcar ensaios: Santa Cruz Lagoa, S. Pedro de Vila Franca, Povoação; Ponta Delgada é muito grande, tenho que dividir… S. José com o Sul Poente até aos Mosteiros, S. Pedro com o Sul Nascente até ao Livramento, Matriz com o Norte até aos Fenais da Luz.”
Orquestra: A Povoação tem orquestra litúrgica mas são só sopros e são poucos. “ Francisco Paquete arranja mais músicos”; “Ana Paula preciso violinos, violoncelos e contrabaixo” O órgão vem da Ribeira Grande. Nunca tive um “não”, nem um “se”. Todos estavam prontos e felizes.
Fizemos ensaios com orquestra na Ribeira Grande (ainda não estava decidido quem dirigia): o Ildeberto diz-me: “Tu tens isto tudo preparado, fizeste as instrumentações, então vais dirigir.”
Ensaio Geral na Matriz de Ponta Delgada no dia 25 de Abril. Os Autocarros do Externato M. Isabel do Carmo trazem os da Povoação e da Vila Franca, a empresa Caetano Raposo e Pereiras garante o Transporte dos Grupos do Norte da Ilha e a Auto Viação Micaelense os restantes.
Toda a logística testada. O mestre-de-obras, e meu antigo colega de escola, Carlos Silva garante-me lugar para oitocentas pessoas no estrado. Eu confidencio-lhe “parece-me que são perto de mil!” “Não faz mal, vou reforçar aquilo com mais uns barrotes.” “Faz-se mais uma ou duas filas na frente. A orquestra fica à direita porque é mais largo.” Cadeiras para a Orquestra; as estantes; tudo pensado… peço 3 dias de férias, 4ª, 5ª e 6ª, para o que der e vier.
Dia 11 de Maio. Levanto-me cedo. Tenho de saber se o órgão já chegou da Ribeira Grande. O contrabaixo é muito grande e a Rita não tem transporte; vou lá eu com o meu carro. Ver o som. Colocação de microfones. A RDP traz de Lisboa 4 microfones muito bons de captação muito abrangente.
Começam a chegar as pessoas. O Campo de S. Francisco começa a encher-se, os mais idosos com as suas cadeiras articuladas chegam primeiro para garantirem os lugares da frente. “Este coro é uma multidão” diz-me um técnico da RDP-Lisboa que veio propositadamente para a montagem e captação da Celebração. “Toda a gente quis participar com entusiasmo e com fé.” Respondi-lhe. Ensaiamos com a Assembleia, toda a gente no campo canta connosco.
Sente-se ao longe os motores do Boing da TAP a aproximar-se; começa uma salva de palmas ensurdecedora que quase abafa o barulho dos motores do avião quando este passa mesmo por cima de nós (agora, já passados vinte e tal anos, ainda me arrepio ao recordar). Uma rapariga do coro desmaia e é levada ao hospital. “Não tinha comido nada desde manhã”, mas volta e ainda se integra.
Entretanto chegam as autoridades, os jornalistas, carros de seguranças e começa aquela multidão a aclamar “Viva o Papa” só consigo vislumbrar o Land Rover branco quando este chega à porta do Hospital. Vou dar sinal à orquestra para iniciar o “Somos a Igreja de Cristo” mas o coro desmancha-se porque Sua Santidade vem na nossa direção e então é a loucura: toda a gente vai beijar-lhe a mão; Eu também vou mas um fotógrafo derruba-me e não consigo chegar-lhe. Que confusão!
Então, e já com o coro recomposto, começamos a cantar o Cântico de Entrada, o Papa ajoelha diante do Senhor Santo Cristo dos Milagres e nós cantamos o velho Hino, aquele que toda a gente conhece mas quase ninguém sabe a letra. O Salmo Responsorial: o Fernando Mota canta lindamente e o Papa canta connosco: “O Senhor é meu Pastor” veem-me as lágrimas aos olhos. Aleluia, o Evangelho, a Homilia do Papa… “Não tenhais medo de ser santos”. Um segurança acha que um elemento do coro é um árabe disfarçado. Lá vão revistar o homem todo… quase que o despiam. Afinal era apenas um inofensivo cantor da Ribeira Quente. Essa gente faz uma tempestade num copo de água. Os Padres da Ilha vão cumprimentar João Paulo II e nós cantamos “Desde toda a Eternidade” e “Ó Páscoa Gloriosa”. Sua Santidade dá-nos a Bênção e começamos o Cântico Final “Povo teu somos” o Papa foi-se… Ficamos com o Senhor Santo Cristo dos Milagres.
“A presença mais eficaz e de melhor qualidade foi o coro de Ponta Delgada. Acompanhou-nos inclusive enquanto o bunker rolava na estrada deserta” escreveu Mário Castrim num jornal nacional. Estava enganado: Nem sabíamos onde estava o Papa mobile. Cantávamos emocionados o Hino do Senhor Santo Cristo dos Milagres que recolhia em procissão ao Seu Santuário.