Por Carmo Rodeia
A criação do Estatuto do Cuidador Informal está na ordem do dia. Não só porque é uma prioridade, para reconhecer os milhares de cuidadores informais que temos no nosso país (estima-se 800 mil), mas porque é uma causa que merece o esforço de todos.
O envelhecimento populacional em Portugal, como em todo o mundo, coloca inúmeros desafios às sociedades e aos sistemas familiares em particular, de onde se destaca a prestação de cuidados aos mais velhos.
Em Portugal a grande maioria dos cuidados prestados a pessoas dependentes, sejam idosos, pessoas com deficiência, demências ou doenças crónicas, é assegurado por cuidadores informais e não através das redes formais.
Por isso, não podemos continuar a fingir que não existem milhares de pessoas que são pais, filhos, netos, sobrinhos, primos, vizinhos, amigos, cuidadores de tantos e tantos outros portugueses, que são ignorados, não têm qualquer vencimento, folgas, férias, reformas ou direitos sociais.
Cuidar de alguém envolve um investimento significativo de tempo, energia e dinheiro, traduzindo-se num expectável aumento dos custos do doente e do cuidador, muitas vezes por longos períodos de tempo. Não raras vezes, a decisão de cuidar de alguém próximo pressupõe, inclusive, deixar de trabalhar ou reduzir o horário de trabalho, mudar de residência e/ou proceder a adaptações em várias divisões da casa, fruto de se acolher o recetor de cuidados, investindo-se em equipamentos e produtos de apoio, como sejam barras de segurança que auxiliam o banho, camas adaptadas, ou múltiplos dispositivos tecnológicos de vigilância/supervisão.
O mais preocupante é que, na grande maioria dos casos, os cuidadores informais só recebem apoio quando eles próprios têm a iniciativa de o solicitar, ou quando o seu mal-estar se torna deveras visível, após desgastante confronto com certas barreiras sócio-culturais, político-económicas e pessoais.
A criação de um estatuto próprio tem sido reclamada por grupos de cidadãos que prestam algum deste tipo de cuidados e, em junho passado, foi criada a Associação Nacional de Cuidadores Informais.
O assunto, aliás, tem vindo a ser discutido no Parlamento, mas ainda não vai ter solução no próximo Orçamento de Estado. No entanto, o Governo compromete-se a avaliar as respostas que já existem para o descanso do cuidador, assim como os serviços e respostas sociais já existentes e os benefícios fiscais que possam vir a usufruir. Mas, para já, todos os projetos sobre o estatuto dos cuidadores informais baixaram sem votação à comissão parlamentar do Trabalho.
O Papa Francisco afirmava numa das suas homilias, logo no inicio do seu pontificado, que todos nós temos esta missão porque a vocação de guardião não diz respeito apenas a nós, cristãos, mas tem uma dimensão antecedente, que é simplesmente humana e diz respeito a todos: é a de guardar a criação inteira, a beleza da criação, como se diz no livro de Gênesis e nos mostrou São Francisco de Assis. É ter respeito por toda a criatura de Deus e pelo ambiente onde vivemos. É guardar as pessoas, cuidar carinhosamente de todas elas e cada uma, especialmente das crianças, dos idosos, daqueles que são mais frágeis e que muitas vezes estão na periferia do nosso coração. É cuidar uns dos outros. Fundamentalmente tudo está confiado à guarda do homem, e é uma responsabilidade que nos diz respeito a todos: sermos guardiões dos dons de Deus!
Mas a verdade é que somos humanos e para sermos capazes de guardar os outros temos também de cuidar de nós mesmos, e precisamos de quem cuide de nós. Se poupamos recursos ao Estado está na hora do Estado também olhar para quem cumpre parte da tarefa que lhe estaria destinada. E até a faz melhor e com menos recursos. Porque é que não assumimos que temos de cuidar dos cuidadores?