Por Carmo Rodeia
O Papa Francisco voltou este fim de semana ao tema da solidariedade. Fê-lo num contexto particular, durante a visita ao primeiro dos países bálticos que está a percorrer até dia 27.
Na Lituânia, o Papa falou da necessidade de um mundo mais solidário e que tenha bem presente as tentações de um passado recente marcado pelo totalitarismo e pelos regimes ateus, que elogiavam o primado do `Homem Novo´, que mais não foi do que um engodo para a afirmação de um dos mais sangrentos e negros períodos da história da Europa, que estes países bem conheceram.
No final da visita a Vilnius, e durante a oração do Ângelus, Francisco desafiou os presentes a pedir a Maria que “nos ajude a plantar a cruz do nosso serviço, da nossa dedicação onde precisam de nós, na colina onde moram os últimos, onde se requer a delicada atenção aos excluídos, às minorias, para afastar dos nossos ambientes e das nossas culturas a possibilidade de aniquilar o outro, marginalizar, continuar a descartar quem nos incomoda e perturba as nossas comodidades”.
Conhecemos bem este pedido deixado há cem anos por Nossa Senhora e que está tão bem presente no acontecimento de Fátima.
O futuro do mundo global é vivermos juntos: este ideal requer o compromisso de construir pontes, manter aberto o diálogo, continuar a ir ao encontro dos outros, num mundo que oscila entre o medo e a raiva, desferidos sobretudo contra os estrangeiros, os pobres e os mais frágeis, quantas vezes descartáveis.
Portugal tem sido um país de emigrantes. Ciclicamente a nossa história está repleta de momentos de concentrada emigração, pessoas que partem em busca de um mundo melhor. E, que por o terem feito não devem ser agora marginalizadas só porque escolheram outro caminho.
Todos os dias, há tempo demais, temos sido confrontados com notícias que nos chegam da Venezuela: falta de comida, falta de medicamentos, falta de tudo…Entre os que têm falta há também muitos portugueses que emigraram para a Venezuela e que não vivem em condomínios de luxo nem foram assim tão bem sucedidos, ou se um dia chegaram a se-lo, hoje estão privados desses bens.
Ao arquipélago da Madeira chegam mensalmente vários emigrantes venezuelanos. Em dois anos, o Governo português estima que tenham regressado a Portugal 10 mil portugueses ou luso-descendentes. E o número pode não ficar por aqui. Para este mês de setembro o executivo promete avançar outros números. Na Venezuela estima-se que existam meio milhão de portugueses ou luso descendentes.
Para além da simplificação do processo para a naturalização pouco mais se conhece das políticas pensadas e ponderadas para a integração destas pessoas que queiram voltar. É um problema real que tem de ser acautelado para que seja bem sucedido, sobretudo para quem já regressa com o sentimento de mais uma vez ter falhado nas escolhas. Portugal não é caso único na Europa. Bem pelo contrário. A Europa encontra-se a braços com a sua maior crise de sempre. Só que, desta vez, não é de dinheiro que falamos mas de pessoas, cuja dignidade tem de ser acautelada.
A onda de migrantes que vivemos, seja provocada pelo regresso de nacionais aos países de origem seja pela chegada de inúmeros imigrantes que fogem à guerra e à fome, gera situações de necessidade social às quais nós cristãos devemos ser capazes de responder de forma diferente.
O nosso futuro nacional tem de estar ligado ao modo como acolhemos, integramos e promovemos estas pessoas, inserindo-as mas também dando-lhes a capacidade de se inserirem validamente na sociedade, seja no mercado do trabalho, no campo cultural, seja no relacionamento que temos uns com os outros.
No fundo, são precisas atitudes e não receitas para sermos cristãos. Atitudes para vivermos e sermos capazes de ir acudindo às necessidades que vão mudando sempre, desfocando-nos de nós próprios e das nossas vidinhas, procurando ir ao encontro do outro.
Este é o dever de fidelidade a Jesus: segui-Lo como Maria o fez e servi-Lo. Como? Dedicando atenção aos outros, sobretudo aos mais frágeis. E entre os mais frágeis estão certamente os migrantes na sua generalidade.
“Quereis oferecer-vos a Deus?”, esta é a pergunta essencial que cada um de nós tem de se fazer. E servir a Deus neste mundo é, justamente, servir o próximo.
Já que a onda de políticos europeus não consegue fazê-lo, preferindo antes erguer muros e impor quotas, semear o medo e a xenofobia, então que sejamos nós crentes a contrariar a história. Não seria o primeiro exercício de resistência.