Por Carmo Rodeia
A expressão tantas vezes repetida pelo Papa Francisco convoca-nos permanentemente a ser construtores da paz. Mas de uma maneira muito especial: construirmos a paz artesanalmente, com o mesmo carinho, o mesmo empenho e mesma perícia que qualquer artesão sabe que deve colocar em cada uma das peças que faz, em que nenhuma é igual à outra, e é por isso que todas elas são especiais.
A paz, ao mesmo tempo que é um dom – como já afirmou – também deve ser construída. Por isso, a constante exortação, a sermos “artesãos de paz”, promotores de paz.
Mas, onde? A começar dentro de nós mesmos e dos ambientes onde nos movimentamos.
Diante da força da violência com que nos deparamos no dia-a-dia, seja ela bélica ou social, familiar ou pessoal, esta exortação pode parecer mais do que utópica, ingénua.
A paz não é só o contrário de guerra; tem muitos significados, que envolvem entre outros a não agressão, o perdão, o diálogo, a compreensão. A atenção!
Por estes dias, a Europa e a América têm sido afectadas por ondas de frio polar fora do comum. E o seu carácter extremo tem feito disso notícia nos telejornais. Este sábado estava a jantar com um dos meus filhos e, de repente, passou uma imagem de Nova Iorque na SIC Noticias. Vivi lá algum tempo. Nunca apanhei qualquer nevão mas apanhei muitos sem abrigo. De resto, tive oportunidade de acompanhar o funcionamento de um albergue para os sem abrigo no Harlem, gerido por uma igreja batista. Lembro-me de os ouvir contar histórias de invernos rigorosos, do que era viver na rua. Do que era, para muitos, ter tido tudo e agora não ter nada.
Quando vi as imagens do nevão vieram-me de novo à memória esses testemunhos e, de repetente, vi-me a falar do assunto com o meu filho e a exclamar: será que algum deles ainda é vivo? Será que algum deles vive este rigor invernoso? E todos aqueles que chegaram depois deles cuja identidade desconheço?
No Evangelho deste domingo, em que se celebra a Epifania do Senhor, falamos dos Magos e da sua busca incessante para irem ao encontro de Deus. Falamos de Herodes para mostrar como o medo tolda a curiosidade e a acção e esse verdadeiro encontro com Deus. E, apesar deles estarem lá também, falamos menos dos sacerdotes e dos escribas judeus que tinham a obrigação de saber que o Messias tinha nascido e nem se importaram. Nem uma palha mexeram para o conhecer ou ir ao seu encontro. Às vezes não sei o que é pior: se é ter medo ou ficar indiferente. Dirão todos que são os dois maus porque obstaculizam o caminho, a progressão, olhar em frente. A indiferença gera falta de atenção; a atenção como atitude primeira para com os outros, sobretudo aqueles que mais precisam. Não importa de quem foi a culpa para estarem na rua; se são doentes ou dependentes com comportamentos aditivos; se são ou não marginais que nunca se souberam adaptar a viver em sociedade; se têm comportamentos desviantes… São pessoas que merecem ser tratadas com dignidade. Que merecem que não olhemos para o lado. Que merecem que não as ignoremos. Que merecem a nossa atenção.
Talvez esta atenção seja o primeiro passo para sermos os artesãos da Paz, como o Papa Francisco nos pede. Com a nossa consciência e com os outros.