Por Carmo Rodeia
Donald Trump fez-se ao Mundo na primeira viajem de Estado desde que foi eleito Presidente dos Estados Unidos da América.
Visitou aliados e amigos de sempre. Na Europa estenderam-lhe a passadeira vermelha, mas a sua imprevisibilidade e alarvidade deitaram tudo a perder. Comportou-se uma vez mais como só ele sabe ser: um verdadeiro elefante numa loja de porcelana. Ao ponto de Angela Merkel ter tido necessidade de dizer que a Europa não pode estar à espera dos velhos aliados para se afirmar e defender.
“Nós, europeus, disse Merkel, temos de agarrar o nosso destino com as nossas próprias mãos, mantendo a nossa relação com os Estados Unidos, o Reino Unido e no que for possível com outros países, mesmo com a Rússia”, afirmou a Chanceler, citada pela agência Reuters. Tendo acrescentado: “Temos de saber que somos nós a lutar pelo nosso futuro, pelo nosso destino enquanto europeus”.
Merkel referiu-se ainda ao Acordo do Clima de Paris, estabelecido em 2015, e considerou que as negociações foram “muito difíceis, para não dizer muito insatisfatórias”, e reiterou, mesmo sem referir o nome de Donald Trump, que no grupo dos G7 existiu, claramente, um “seis contra um”.
Com efeito em relação a essa matéria, o Presidente norte-americano recusou aceitar o Acordo de Paris, ao garantir que na próxima semana iria expor a sua visão sobre a questão.
A tensão entre os dois líderes já tinha sido evidente no encontro na Casa Branca nomeadamente na linguagem corporal dos dois :nada de sorrisos e nem um minuto de descontracção, apesar de a habitual coreografia deste tipo de cerimónias ter sido por várias vezes atropelada. E o verniz estalou quando Trump afirmou que a imigração é uma questão de segurança nacional e precisamos de proteger as fronteiras. A imigração é um privilégio, não é um direito, e a segurança dos cidadãos está sempre em primeiro lugar”.
No seu périplo pelo mundo, Trump foi ao Vaticano. Recebido por Francisco, que manteve sempre um sorriso distante, bem diferente do sorriso aberto e franco que tem habitualmente, o Papa não escondeu as suas reservas pessoais ao estilo e opções do Presidente norte americano. E embora já tivesse afirmado que não faz “julgamentos sobre pessoas e líderes políticos”, preocupa-se antes com impacto das políticas nos mais pobres e excluídos, a verdade é que este não foi um encontro caloroso. Pediu-lhe que seja um pacificador, enquanto Trump prometeu que não esquecerá a mensagem do Papa.
Os dois conversaram aproximadamente por 30 minutos, com a ajuda de tradutores. Francisco ofereceu ao presidente uma pequena escultura de uma oliveira e disse, por meio do tradutor, que o objeto simboliza a paz.
“É o meu desejo que você se torne uma oliveira para construir a paz”, disse, falando em espanhol. Trump respondeu que “nós também podemos usar a paz”.
Francisco também deu a Trump uma cópia assinada de sua mensagem de paz de 2017, cujo título é “A não-violência: estilo de uma política para a paz”, e uma cópia de sua encíclica de 2015, Laudato Si.
Se a perspectiva de ter Trump na Casa Branca era assustadora, a sua presença efetiva é uma ameaça para a paz no mundo. Não por motivos ideológicos (ele não tem ideologia, é um populista extremo) mas pelo perfil do personagem.
Narcisista, colérico, impulsivo, racista, grosseiro, sem a mínima experiência de cargos públicos, Trump é um presidente imprevisível e dá provas disso todos os dias. Impreparado torna-se mesmo inconveniente. Defende uma América isolacionista e proteccionista. Insulta muçulmanos e mexicanos, como se todos fossem criminosos. E, last but not the least, procura rebaixar o mundo, com especial incidência o mundo que lhe é próximo como a América Latina, que trata como se fosse o quintal dos EUA.
Esta terça feira assinalam-se os 50 anos da publicação do livro de Gabriel García Márquez, Cem anos de Solidão, onde o autor através da fabulosa aventura da família Buendía-Iguarán com os seus milagres, fantasias, obsessões, tragédias, incestos, adultérios, rebeldias, descobertas e condenações representa ao mesmo tempo o mito e a história, a tragédia e o amor do mundo inteiro. Não é o meu livro de cabeceira, nem é sequer o que mais me tocou dos livros de Marquéz mas é sem dúvida um livro que tem de ser lido e relido para compreender a história da América Latina marcada pela solidão de gente apegada a guerras inúteis, à solidão, a caudilhismos e à magia inerente a sociedades menos desenvolvidas, que se constroem de uma maneira muito própria. Mas que, ainda assim, devemos respeitar, sem reprimir ou julgar. Será que Trump já leu alguma vez Gabriel Garcia Marquéz?