Tomaz Ponce Dentinho
Estive lá porque sim. Porque há sítios onde achamos que temos que ir se pudermos. Porque há gratidões que temos que lembrar se quisermos. Porque há pessoas que descobrimos melhor nesses momentos a começar por nós mesmos.
Cheguei cedo, arrumei o carro num sítio dúbio de multa que veio a acontecer, e ali me pus de pé por umas sete horas, entre a Capelinha e o Altar, entre sons espanhóis de tom venezuelano, sonos africanos de maquiagem francesa, olhares angolanos de proximidade e distância, jovens ran-rans de sorriso alegre, lisboetas controlados de familiaridade hipotética e celtas simpáticos de generosidade guerreira. Éramos o povo. Uns dormiam, outros comiam, alguns guerreavam em defesa do seu meio metro quadrado. Lá mais à frente o clero ia ordenando o tempo com cânticos e orações e, os mais gregários, procuravam o cheiro da sua tribo enquanto havia espaço para se movimentarem. Foram horas e espaços de esperança.
A sabedoria de séculos, as décadas de ajustamento aos papas móveis e a alegria contida dos ambientes lusos reduziram as estridências das claques tribais. Não houve muitas palmas nem muitas Vivas ao Papa porque o som do silencio é mais comum e a vida do Papa uma certeza que não requer redundâncias. E o Papa já tinha dado o recado na noite anterior; Nossa Senhora não é uma “santinha” que faz favores.
Nossa Senhora é Mãe, repetiu o Papa três vezes! E, como Mãe, ajuda a criar os ambientes propícios à conversa com Nosso Senhor. Designadamente na recitação das Avé Marias, entre o anúncio do Anjo São Gabriel do Avé Maria e os pedidos de interceção por nós junto de Deus do Santa Maria, onde está implícito o sim de Maria. É bom dar tempo ao intervalo entre a Avé Maria e o Santa Maria pensando no Angelus “Faça-se em mim segundo a Sua palavra, e o Verbo encarnou, e habitou entre nós”.
Nossa Senhora é Mãe. E as mães tiram o medo, dão discernimento e dão coragem aos seus filhos. E foi isso que Nossa Senhora, segundo entendi do Papa, veio dizer aos pastorinhos para que dissesse a todo o mundo. Para que procurássemos a sua proteção através da oração e da pobreza e assim tivéssemos a coragem de fazer a Paz, como artesões, passo a passo, na atenção ao que está próximo, como relembrou o Papa no avião.
Momentos antes já eu tinha negado esses ensinamentos quando me insurgi contra a multa e o arresto do carro. Sinal bem diferente foi dado por uma outra pessoa que disse que veio ver o Papa e foi multada porque tinha o seu carro mal-arrumado. Mas Nossa Senhora é Mãe como repetiu o Papa. E as mães perdoam sempre. Graças a Deus. Para mim ficou a “tatuagem” da multa para lembrar o dia grande que vivemos em Fátima.
Não sei o que vai acontecer, mas temos a certeza que o mundo do século XXI vai ser acompanhado pelos novos santos. Santos bem portugueses que não são mártires, mas têm a coragem da perseverança do sim. Claramente valeram mais que todos os exércitos americanos na conversão da Rússia, como afirmou Ronald Reagan. Certamente que valerão mais do que todas as armas contra o Estado Islâmico na redenção de algumas práticas religiosas. Não tenho dúvida de que ajudarão mais a sonhar uma Europa de Paz e aberta ao Mundo do que qualquer burocracia tecnocrata. Tenho muita esperança que auxiliarão mais a alterar os sistemas de castas e hierarquizações injustas e revoltantes do que todos os exércitos de ONGs validadas por ciências parciais.
As Mães não precisam de exércitos e armas, burocracias e ciências. Basta serem Mães.