A conferência “Job revisitado: O mal e o Sofrimento” foi apresentada no âmbito das jornadas sobre o cancro pediátrico, promovidas pelo Núcleo Regional dos Açores da Liga Portuguesa contra o cancro.
“Porque sofremos” foi a questão lançada por Paulo Borges, capelão do hospital do Divino Espírito Santo e responsável diocesano pela Pastoral da Saúde, na Diocese de Angra, durante a intervenção que proferiu esta sexta feira na sessão inaugural das jornadas sobre o cancro pediátrico, que decorreram em Ponta Delgada, organizadas pelo Núcleo Regional dos Açores da Liga Portuguesa contra o Cancro.
De acordo com o sacerdote “o simples fato de se ser humano proporciona ou potencia qualquer tipo de dor ou de sofrimento” porque radica numa conceção de mal que é uma “invenção do homem”.
Por isso, adianta Paulo Borges, o mais importante é que cada um de nós “assuma o seu sofrimento, apodere-se dele sem o atribuir a terceiros e espere pela compaixão dos outros”.
A conferência do capelão do Hospital de Ponta Delgada, partiu da história de Job, contada num dos Livros da Sabedoria da Bíblia, cujo o centro é o homem individual, a sua vida quotidiana, a sua liberdade pessoal, o uso da razão e da prudência para orientar a sua vida, a sua relação com a criação e os seus enigmas, para falar do sofrimento individual, provocado pela dor e pela doença e que hoje “atravessa toda a humanidade”.
Job era um homem rico, abastado que perdeu tudo, primeiro a fortuna, depois a família e finalmente foi assolado pela doença e, revoltado, colocou tudo em causa, inclusive a existência de Deus.
O livro analisa o problema de saber se existe alguma correlação justa ou lógica entre a maneira honesta como se vive e a forma como a vida nos corre, como preconiza a teoria da retribuição.
Também aborda o profundo problema do sentido do mal e do sofrimento inocente na vida do homem justo. Um questionamento que tem como ponto de partida o que mais perturba e fere a existência do homem neste mundo: a dor, o sofrimento inocente e a morte.
“A figura de Job é o protótipo de toda a humanidade que sofre e sofre inocentemente. A resposta à questão do sofrimento depende da visão que se tem do ser humano e consequentemente de Deus. A recompensa final de receber em dobro tudo o que possuía antes, apesar de não solucionar o verdeiro problema, regista um bálsamo possível para reparar todo esse processo doloroso de perdas consecutivas e irreparáveis”, concluiu o Pe Paulo Borges.
Esta conferência inseriu-se numa problemática mais vasta- a do cancro pediátrico- que além de afetar crianças, dilacera famílias a quem é preciso levar conforto.
“Quando o mal se abate sobre nós – um cancro, um terramoto, um tsunami, um filho que se nos morre desfeito em dores e perante a nossa impotência total, quando nos destruímos mutuamente, quando tudo se afunda sob os nossos pés, quando o futuro se apaga… -, aí gritamos, choramos, blasfemamos, rezamos… reclamamos uma resposta que faça sentido ou apazigue o nosso grito de sofrimento”, disse ainda Paulo Borges.
E neste caso apenas “restará enfrentar o sofrimento e esperar pela compaixão desinteressada de quem nos acompanha nesta travessia”.
Nos Açores o problema do cancro pediátrico é real. Nos últimos 15 anos surgiram 199 novos casos, entre crianças e adolescentes, predominando as leucemias, os linfomas e tumores cerebrais.
A taxa de mortalidade da doença tem vindo a diminuir tendo passado de 6 óbitos por ano, na década de oitenta para dois em 2011.
Nuno Lobo Antunes, oncologista pediátrico e autor do livro Sinto Muito, foi um dos oradores desta sessão que se repete amanhã, com o mesmo formato mas outros intervenientes, no Hospital do Santo Espírito em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira.