Por Carmo Rodeia
A dor, a doença, os mal entendidos, as angústias da vida enchem-nos por vezes de tristeza e fazem-nos correr para o Sacrário ou para um olhar dirigido a Maria, aos pés da cruz, à espera que uma gota de esperança sare as feridas mais profundas e dolorosas, que procuramos lamber sem sucesso.
É isto que procuro dizer aos meus filhos, a quem entreguei (e entrego) todos os dias o melhor do meu coração, mesmo sem palavras e quantas vezes à distância. Mas nem sempre consigo eu encontrar a receita em causa própria.
Fazemos escolhas, cientes de que têm consequências e disponibilizamos-nos para as aceitar. Mesmo que isso nos remeta para a incompreensão dos outros. Mas são escolhas, e por mais dolorosas que sejam, quando pautadas pela razão, acabam sempre por ser assimiladas e digeridas, cientes de que num momento até podemos estar sozinhos mas nunca ficaremos abandonados. Mesmo escondido há sempre Quem se faça presente.
A vida é isto: uma caminhada íntima, pessoal e por vezes solitária.
Mas é na “sozinhês” que nos encontramos na maior parte das vezes e de uma maneira mais profunda. E, não sei porquê, a Quaresma é o tempo favorável para isso.
Repito muitas vezes (e até acho que já o escrevi aqui uma vez) aquele inciso de Dante: a meio do caminho da vida eis que a estrada como que se esfuma, e sentimo-nos a entrar, por uma razão ou por outra, numa “selva obscura” sem que encontremos o consolo de um oásis. E continuamos a rezar como se na oração encontrássemos o caminho do sentido da vida e o abraço do perdão, que tantas vezes nos falta.
A carta de São Paulo aos Filipenses (3, 10-11) resume o essencial da nossa Quaresma: «Assim posso conhecê-lo a Ele, na força da sua ressurreição e na comunhão com os seus sofrimentos, conformando-me com Ele na morte, para ver se atinjo a ressurreição de entre os mortos».
São Paulo só tem um objetivo: «Esquecendo-me daquilo que está para trás e lançando-me para o que vem à frente, corro em direção à meta, para o prémio a que Deus, lá do alto, nos chama em Cristo Jesus» (Filipenses 3, 13-14).
Na Quaresma este é o impulso a que somos convidados. Com o coração cheio de alegria, mesmo que a vida nos pregue partidas para as quais não estávamos preparados.
Na oração, na penitência, na conversão ou no jejum devemos esperar a surpresa de cada dia, com simplicidade e desprendimento. Quem sabe surpresas carregadas de amor e de força, de traição e de pecado, mas que sempre servirão para uma descoberta maior, a única que porventura interessa: amarmos e sermos amados, entregando aos outros o melhor que está dentro do nosso coração. Sem queixumes e com uma enorme disponibilidade. Estou certa de que se o fizermos a nossa oração será muito mais proveitosa e encontrar-nos-emos de forma mais profunda com Deus e por isso com os outros.
Nesta Quaresma tenho de ser capaz de preparar melhor a Páscoa…