Pessoas

Por Carmo Rodeia

Passou um mês sobre a tomada de posse de Donald Trump. E o “enfant terrible” da campanha ainda não deu lugar ao chefe de estado como se impunha. Por isso o saldo é pior que péssimo. Diria que é assustador. As constantes mensagens do twitter, a tentativa de barrar a entrada de imigrantes e muçulmanos no país e o ataque desenfreado à imprensa e aos jornalistas não podem deixar ninguém tranquilo. Sobretudo quando vemos que os seus apoiantes na Europa são os que se perfilam para destilar o mesmo veneno da intolerância e da xenofobia, como Marine Le Pen, uma séria candidata à vitória nas presidenciais francesas,  que todos os dias sublinha o papel relevante de Trump como modelo e exemplo a seguir numa Europa cada vez menos solidária e cada vez mais esquecida dos valores cristãos ocidentais.

No sábado milhares de catalães saíram à rua, em Barcelona, para lembrar ao governo espanhol que dos 17 mil refugiados que se comprometeu a acolher, ainda só entraram pouco mais de mil. Em Portugal, os números não devem andar muito longe, embora o país tenha sido dos primeiros a mostrar-se disponível para responder a este apelo humanitário.

Há dias, numa dessas reportagens que de vez em quando as televisões mostram, quando regressam ao tema, perguntaram  a um refugiado a razão que o tinha levado a abandonar o seu país, arriscar tudo e encontrar-se completamente desprotegido. A resposta surgiu da forma mais natural e óbvia: eu procuro uma vida boa e na Siria já não se pode viver. A esperança, alicerçada num horizonte de justiça e de misericórdia, é tudo o que resta a quem não tem nada.

É normal e sadio que cada um procure a felicidade, que neste caso é apenas e tão só a sobrevivência a um clima de guerra e de terror.

Devemos acolher refugiados e muçulmanos. É um dever cristão. Até numa lógica de evangelização integradora.

Quando questionado sobre como estava a viver este problema dos refugiados, o papa Francisco afirmou: “Vemos estes refugiados, esta pobre gente que escapa da guerra, da fome, mas essa é a ponta do icebergue. Porque debaixo dele, está a causa; e a causa é um sistema socioeconómico mau e injusto, porque dentro de um sistema económico, dentro de tudo, dentro do mundo – falando do problema ecológico-, dentro da sociedade socioeconómica, dentro da política, o centro tem de ser sempre a pessoa. E o sistema económico dominante, hoje em dia, descentrou a pessoa, colocando no centro o deus dinheiro, que é o ídolo da moda”.

E o problema estará certamente neste novo bezerro de ouro. Desde os anos 60 que o crescimento económico mundial é desigual. Além de muito poucos terem quase tudo, a verdade é que o poder está mal repartido.

Paulo Auster, um dos meus escritores de cabeceira, dizia há dias numa entrevista ao Expresso, a pretexto do lançamento do seu novo livro que a América- e o mundo- atravessam um momento de horror, resultante de uma sociedade fraturada, que está a gerar o caos porque, particularmente os Estados Unidos estão a ser governados “por incompetentes , que não sabem o que estão a fazer. Andam a criar problemas que não estão preparados para enfrentar. E, para dizer a verdade, não sei onde isto irá parar”. E o maior drama, alertava o escritor, é  que “ainda há um grande número de pessoas que gostam de Trump”.

Não sei se esse é mesmo o argumento decisivo, porque quem elegeu Trump não vai eleger Le Pen e no entanto ela soma e segue nas sondagens. A única coisa que sei é que o dever dos europeus, cristãos, não é fecharem-se numa concha mas concretizar a ideia de que o Evangelho é para todos e não faz aceção de pessoas. Sejam cristãos de direita sejam cristãos de esquerda, ou muçulmanos ou outros quaisquer.

 

As cartas de São Paulo poderiam ser, por esta altura, uma leitura muito inspiradora para quem decide e para quem se dispõe a acolher.

Somos muitos neste planeta e temos de conseguir viver uns com os outros. E não é construindo muros ou expulsando pessoas que o vamos conseguir.

Revisitemos então São Paulo e o seu universalismo cristão procurando ser como ele: hospitaleiros e acolhedores.

A “revolução” proposta por Jesus passa por “quebrar a cadeia do mal”, mesmo perante quem é considerado como “inimigo”. Quando o que importa são as pessoas, é tudo mais fácil…

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