Por Carmo Rodeia
O Papa acaba de tornar pública a sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, que a Igreja Católica celebra no dia 1 de janeiro, pela 50ª vez.
No texto intitulado ‘A não-violência: estilo de uma política para a paz’ Francisco propõe uma ética de fraternidade e da coexistência pacífica entre as pessoas (e entre os povos), que abandone a lógica do medo.
O texto evoca o exemplo de Santa Teresa de Lisieux para falar da importância do “pequeno caminho do amor” nos gestos quotidianos.
E quão importantes eles são, sem dúvida! E nós que nos esquecemos disso tantas vezes, ignorando aquilo que é mais elementar, de que o Papa fala nesta mesma mensagem, propondo-nos as bem-aventuranças como uma espécie de manual de construção da paz, seja entre os povos seja entre nós.
“Felizes os mansos – diz Jesus –, os misericordiosos, os pacificadores, os puros de coração, os que têm fome e sede de justiça”. Valores que muitas vezes a rotina nos faz esquecer, como quase tudo quando ela se impõe e se substitui à própria vida.
Ao tempo de Jesus, os líderes políticos- “os intelectuais da religião, aqueles que tinham o poder, que levavam por diante as catequeses do povo com uma moral feita pela sua inteligência e não a partir da revelação de Deus”- eram assim. Propunham e executavam uma lei sem memória, mas cheia de convicções próprias, inabaláveis.
Hoje, infelizmente, o mundo em geral, e as igrejas em particular, está cheio de pessoas que amam o cristianismo mas esquecem quem está mesmo ao seu lado, na missa ou noutro sítio qualquer; que se vestem de caridade em nome da fé como se para dar comida a um pobre ou vestir um nu fosse condição essencial ser crente; que quando dão o abraço da paz, numa celebração, nem olham para quem abraçam ou fazem-no apenas num gesto de cortesia maquinal, sem qualquer significado. Até é comum ouvirem-se alguns “crentes” cheios de “fé”, a dizerem que gostam de ir à igreja, que têm muita fé, mas não conseguem ir a uma missa porque não gostam do que os sacerdotes dizem e preferem estar numa igreja vazia.
Em “Os Portais do Mistério da Segunda Virtude” (Ed. Paulinas), Charles Péguy fala destas fragilidades- da caridade e da fé- e consagra a esperança como a grande virtude. Ao contrário do que sucede com a fé, não é possível fingir que se tem esperança.
É este salto que o Papa Francisco nos propõe todos os dias para vivermos num mundo melhor. Ainda agora, com esta mensagem para o Dia Mundial da Paz nos volta a lembrar isso. Como se fosse uma proposta para os nossos sentidos não adormecerem de modo a que o salmo bíblico não se consume: «Têm boca, mas não falam; olhos têm, mas não veem./ Têm ouvidos, mas não ouvem; narizes têm, mas não cheiram./ Têm mãos, mas não palpam» (SI 115,5-7).
Podemos pensar que nos é possível viver assim, nos rituais e nos formalismos que nos chegam de vários lados. Mas há de chegar o dia, a estação, como recorda o livro do Eclesiastes, em que “a vista não se sacia com o que vê, nem o ouvido se contenta com o que ouve”.
Nesta mensagem de paz para o ano de 2017 o Papa volta a alertar para isto: para a indiferença para com o Deus, que é como quem diz a indiferença perante o próximo, sobretudo o mais frágil: as mulheres, as crianças, os idosos, mas também os perseguidos, os doentes, os marginais. Ninguém consegue viver sem amor. Nenhum coração resiste, por mais que tente. A dar e a receber.
O que o Papa nos propõe é que nos convertamos a esta certeza: Deus está sempre connosco e nós temos o dever de estar com ele, através do nosso mais próximo.
Afinal, o caminho do amor é tão fácil…