Por Carmo Rodeia
Sempre que chega esta altura começo a ficar desassossegada. O burburinho dos centros comerciais, varridos pelo consumo e a intensidade das luzes, que teimam em ser de plástico, deixam-me sempre aquém de tudo e de todos. Porque todos parecem transformar-se numa espécie de simpatia orante que me deixa confusa. E, se calhar assim é que tem de ser: este tempo do Advento é para deixarmos cair as armas e vivermos lado a lado como irmãos.
Se o lobo habita com o cordeiro, porque é que nós não havemos de ser capazes de viver uns com os outros sem intrigas, sem desigualdades, sem atropelos?
Se calhar também eu deveria ser capaz de agarrar esta oportunidade, afastando de mim as palavras que apenas evocam cansaço e medo.
Neste tempo de espera, com esperança, é isso que devemos pedir: a graça de ser de novo. Nem que seja por breves momentos, como uma conversa interrompida, para refletirmos e para nos encontrarmos.
O Advento introduz-nos no coração do mistério cristão: a vinda de Deus à nossa vida, o mistério grande e fascinante de Deus connosco! É, por isso, um tempo de alegria porque o Senhor vem ao nosso encontro.
Este é o Advento de Deus, mas será o nosso? Com a tal sobriedade recomendada pelo Papa Francisco?
Desaproveitamos este tempo em compras, em almoços, em jantares e enfeites que nos preenchem a vida social mas não nos saciam nem o espirito nem a alma.
Talvez estejamos todos doentes como alertou Johan Metz afirmando que a doença do nosso século é mesmo o esquecimento do Advento de Deus, isto é, a perda do sentido, da beleza e da esperança que contém este encontro.
Num tempo em que a “predominância digital” carece de silêncio e afasta a possibilidade de contemplação, em que padecemos todos de um certo “martismo”, como dizia o Papa Francisco, embrenhados no fazer, no programar, no organizar muito mais do que no ouvir e no escutar, seria bom que ouvíssemos o silêncio, em vez de palavras doces, bonitas e, ainda que oportunas, se esquecem rapidamente. É nesse silêncio que nos encontramos e é neste silêncio que O encontramos.
Neste tempo de preparação, e porque o Sítio Igreja Açores desafiou vários membros da igreja a escreverem uma carta ao Menino Jesus, que sejamos ajudados a fazer o melhor presépio, em silêncio, no lugar mais adequado da nossa vida. E, enquanto não começamos a publicar as cartas deixo aqui a minha.
Poderia pedir meio mundo e arredores, lembrando-me de todos os povos que estão em guerra, de todas as crianças que são espoliadas dos seus direitos, de todos as pessoas oprimidas pelas circunstâncias da vida, da guerra, da fome, da pobreza, da exclusão ou por todos os idosos e doentes… Mas isso dependeria muito da vontade dos homens e as realizações humanas são sempre frágeis. Peço, por isso, apenas que possamos perceber que a vida, que muitas vezes avança no meio de sofrimento, é uma santa peregrinação iluminada pela luz que emana do “monte do templo do Senhor”, com a intensidade adequada embora, às vezes, nos pareça que estamos às escuras. E, agora se me permitem o egoísmo, que neste Advento eu consiga um verdadeiro encontro com Jesus.
O Papa Bento XVI disse que “a fé não é uma teoria, uma filosofia, uma ideia: é um encontro. Um encontro com Jesus”, que é como quem diz com a sua misericórdia. Esta segunda feira o papa Francisco lembrava estas palavras do seu antecessor e acrescentava-lhes: “se nós não encontramos a misericórdia de Deus até podemos rezar o credo de cor, mas não ter fé”. E prosseguiu: “Os doutores da lei sabiam tudo, tudo sobre a dogmática daquele tempo, tudo sobre a moral daquele tempo, tudo. Não tinham fé, porque o seu coração se tinha distanciado de Deus”.
Esta é a graça que peço na minha carta: ser capaz de ir ao encontro Dele, com as boas obras. Sem outras exigências. Já seria um bom Advento… para mim.