Por Carmo Rodeia
Qualquer cristão aprende desde cedo o valor do perdão. Sermos capazes de fazer o que Cristo fez aos que o crucificaram é um desafio a que estamos obrigados diária e constantemente, porque o amor e o perdão são duas faces de uma mesma marca que nos identifica.
“Ouvistes o que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem” (Mt 5, 43-45).
Qualquer mãe ou pai percebe o alcance das palavras de Jesus. Quantas vezes repreendemos ou castigamos os nossos filhos mas nunca, por nunca, os deixamos de amar?!
Até onde vai a nossa capacidade de perdoar?
Todos os dias, particularmente nos últimos, temos sido bombardeados com crimes hediondos. Uns reivindicados por grupos políticos, religiosos radicais e fanáticos outros levados a cabo por psicopatas motivados pelo desejo de sair do fracasso, do desenraizamento, e do vazio das suas próprias vidas.
As tragédias de Cabul, no Afeganistão; de Munique, na Alemanha; de Nice, em França não foram as primeiras e infelizmente não serão as últimas porque o medo e o terror são sentimentos que, quem atua desta maneira, pretende instalar.
Tal como foi o Charlie Hebdo ou o Bataclan e tantos outros casos.
Na altura, Antoine Leiris, que perdeu a mulher neste atentado, escrevia no facebook : “Na sexta-feira à noite, vocês roubaram a vida a um ser excepcional, o amor da minha vida, a mãe do meu filho, mas não terão o meu ódio. Não sei quem vocês são e não quero saber, são almas mortas. Se esse Deus em nome do qual matam cegamente nos fez à sua imagem, cada bala no corpo da minha mulher terá sido um ferimento no Seu coração”.
E prosseguia: “É claro que estou destroçado pelo desgosto, dou-vos essa pequena vitória, mas será de curta duração. Sei que ela nos acompanhará todos os dias e que nos reencontraremos no paraíso das almas livres, ao qual vocês nunca terão acesso”.
Insisto: até onde deve ir a nossa capacidade de perdoar?
Humanamente este homem fez tudo o podia. Socialmente, podemos e devemos condenar todos estes atentados porque são atos de terrorismo e de violência, que provocam dor e morte. E, os Estados têm de usar todos os meios para os prevenir de forma a evitá-los, punindo os criminosos e perseguindo os seus mentores. É preciso dar um sinal claro de resistência contra a liquidação do bem comum, através do medo, retirando a possibilidade destas mentes perversas e perturbadas alcançarem o estatuto de mártires. Os media têm aqui um papel preponderante evitando transformar o crime em reality shows, no qual figuras anónimas perturbadas, e sem virtudes reconhecidas, são elevadas ao estatuto de heróis, apesar de nada terem feito para o merecer.
A pergunta, no entanto, mantém-se: até onde podemos e conseguimos perdoar?
Este domingo de manhã, um sacerdote amigo enviou-me a seguinte mensagem: “Na escola de Jesus sentamo-nos na cadeira da oração, com a mochila do amor às costas, para fazer a prova do perdão e aprender a lição da misericórdia”.
É nesta aparente fraqueza que está a chave da civilização: no dia em que os terroristas, sejam grupos políticos ou perigosos psicopatas considerarem que lhes estamos a responder na mesma moeda, vão cantar vitória porque o seu objetivo foi cumprido e nada nos diferenciará deles. Se calhar até já é assim e eu ainda não dei por isso. Ou finjo que ainda possa ser de outra maneira.