No Tricentenário da Igreja de São José

Mota Amaral destaca importância da Igreja no seu percurso cristão.

No ano em que a Igreja de São José celebra 300 anos da sua construção, o Portal da Diocese foi ouvir vários paroquianos cujos textos começamos hoje a publicar. Hoje João Bosco Mota Amaral fala na primeira pessoa de uma igreja onde cresceu espiritualmente na fé cristã. Faz parte da Comissão Paroquial responsável pela dinamização de atividades comemorativas deste tricentenário

 

 

No tricentenário da Igreja de São José

 

Com a sua mole imponente, fachada sóbria, desenhada a preto e branco, altos portões gradeados de ferro descendo para a rua em escadaria, ladeada a sul pelo antigo convento dos franciscanos, reconvertido em hospital e a norte pela Capela de Nossa Senhora das Dores, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, mais conhecida pelo nome do padroeiro da paróquia e freguesia, São José, domina há já trezentos anos o harmonioso conjunto arquitectónico do Campo de São Francisco e é um marco incontornável na cidade de Ponta Delgada.

 

Ora, eu nasci a dois passos do Campo de São Francisco, na antiga Rua Formosa, julgo que já ao tempo chamada Rua Lisboa, na casa com o número de porta 11-B, quase encostada à Fábrica de Cerveja e Refrigerantes Melo Abreu.

 

Com menos de 15 dias de vida, levaram-me meus Pais à Igreja de São José, sede da paróquia, para receber as águas do Baptismo.

 

Lá comecei a ir à Missa aos Domingos e teria para aí cinco anitos quando pela primeira vez assisti, levado por minha Avó materna, às longas cerimónias das Endoenças, na Semana Santa, sentado junto à grade da capela-mor, espreitando pelo meio dela o desenrolar da acção, soleníssima e deveras impressionante, cheia ainda de vestígios do período barroco, enquanto chupava amêndoas à socapa.

Frequentei a catequese na Igreja de São José, desde a fase preparatória da Primeira Comunhão, feita a 19 de Março de 1950, como então era costume, no dia da festa do Padroeiro. As aulas de doutrina eram dadas por venerandas catequistas no supedâneo dos altares laterais e aprendíamos de cor as orações e as perguntas e respostas mais simples do catecismo.

 

Prossegui depois, ano após ano — já com outra exigência no catecismo e o ensino da História Sagrada com recurso à projecção de diapositivos num grande lençol que servia de écran, nas sessões de quinta-feira à tarde, a cargo do próprio Pároco — para a Comunhão Solene e Profissão de Fé e logo a seguir para o Crisma, quando já era aluno do Primeiro Ciclo do Liceu.

 

Entretanto fui Menino do Coro de batina e mantelete vermelho e roquete branco, tudo muito brunido por minha Mãe, que, de ferro de engomar em punho, julgo que ainda a carvão (ou já seria eléctrico?), gastou horas a tirar, com papel pardo, os pingos de cera que recorrentemente enfeitavam a elegante vestimenta.

 

Mais tarde fiz parte do grupo coral que dirigia o Padre Dinis Raposo Simões, gorjeando como podia no naipe dos tenores. Antes disso, já tinha ensinado catequese aos mais novos e começado a subir ao coro da Igreja de São José nos dias de “festa solene a grande instrumental”, como então se dizia, para puxar as cordas dos foles do órgão, que D.ª Cremilde Macedo, organista improvisada, fazia soar primorosamente.

 

Mantive sempre um diálogo próximo com Monsenhor António de Almeida Maia, pároco de São José durante cerca de meio século e meu Padrinho de Crisma. Ajudei-o em tarefas de arquivo e li inúmeros livros que me foi emprestando.

Tanto quanto a minha memória alcança, participei nas festas e nas procissões da Igreja de São José, no Natal, na Páscoa, no Coração de Jesus, com os meus Pais e Irmãos, até à altura de ir para Lisboa, frequentar a Universidade, em Outubro de 1960.

 

Quando estabilizei, de volta, por São Miguel, no final da década, abriu-se outro capítulo na minha relação com a Igreja de São José.

 

De lá saiu, mais propriamente da Capela de Nossa Senhora das Dores, o funeral de meu Pai, numa tarde de Domingo, quando os sinos do Convento da Esperança repicavam, por ser o dia da festa de Cristo-Rei.

 

Vinte anos mais tarde, quase dia por dia, foi a vez de minha Mãe, em Novembro de 1990. Tínhamos tanta gente a acompanhar-nos que a Missa de corpo presente foi na igreja, a meio da tarde, com dezenas de concelebrantes e o transepto inundado de flores. Tive de pedir para que não houvesse cumprimentos aos familiares enlutados, a fim de podermos terminar tudo, no Cemitério de São Joaquim, antes do pôr-do-sol, como é da lei.

 

Nestas dezenas de anos, a Igreja de São José é lugar de referência da minha vida de cristão. Continuo a ir lá à Missa, em especial ao Domingo, às 11:00 horas, onde brilha uma liturgia digna e bela — enriquecida pelo órgão a cargo da Organista titular Dr.ª Isabel Albergaria e pelo Coral de São José — que pede meças à de muitas catedrais onde tenho estado por este Mundo fora… À saída sempre me encontro com minha Irmã e meus Irmãos, com as suas mulheres, filhos e netos, todos aliás, por coincidência, paroquianos de São José.

 

Em algumas ocasiões também intervenho no decurso da celebração, na qualidade de Provedor da Confraria do Santíssimo Sacramento, redinamizada pelo Padre Dr. Duarte Melo, actual pároco de São José, fazendo alguma leitura, levando a umbela ou servindo com o jarro no lava-pés de Quinta-feira Santa.

 

A Igreja de São José é portanto como se fosse coisa minha — coisa nossa, de toda a Família. Acompanhamos as suas festas, cooperamos nas tarefas colectivas, alegramo-nos se tudo corre bem, preocupamo-nos se há algum problema… Tudo isto sem que se possa dizer que estamos todos envolvidos nas múltiplas instituições paroquiais, que as há, valiosas e de muito mérito. Mas não é só dentro da igreja e nos organismos da paróquia que se vive uma vida cristã, antes o grande desafio é trazer os valores cristãos para o meio da rua, temperando com eles o dia-a-dia corrente, partilhado com todos, crentes ou não.

 

Ao celebrar o seu tricentenário, contado a partir da permanência do Santíssimo Sacramento dentro dela, ocorrida em 24 de Junho de 1714, a Igreja de São José abriga uma comunidade paroquial bem viva e exerce efeito de atração sobre pessoas que vivem noutras áreas da cidade e até fora dela.

 

É palpável a preocupação pela conservação e valorização do rico património cultural da igreja, traduzida em valiosas iniciativas de restauro.

 

Uma nova geração de paroquianos, por residência ou por opção, projeta a ação da igreja para fora dela, visando responder aos múltiplos problemas sociais da comunidade.

 

A paz interior e a serenidade que nos embebe neste singular espaço de culto, com três séculos de tradição, incita todos a viver um cristianismo activo, que se concretiza na vida de cada um, começa em casa e inclui o serviço aos mais necessitados, sintonizado com a liderança do Papa Francisco em favor de todas as periferias.

 

por João Bosco Mota Amaral

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