Por Carmo Rodeia
Roubo uma vez mais o título destas Entrelinhas a um dos meus poetas de cabeceira, o Pe José Tolentino Mendonça.
Por estes dias regresso a ele e tropeço nos seus escritos sobre o silêncio, logo no momento menos oportuno para isso quando fui instada para falar no Encontro Ibérico dos responsáveis pela comunicação social da Igreja, em Portugal e Espanha, sobre a palavra, a comunicação da igreja e as parcerias em rede. Mas a rede também é uma experiência de vida e através da Palavra meditada encontramo-nos com Deus. Afinal, palavra e silêncio até se complementam. Uma e outro são fundamentais porque convocam a escuta e a atenção, o que implica um compromisso seja com uma pessoa, com uma ideia ou com nós próprios.
Se não estamos atentos e não escutamos não vemos nem conhecemos. Ficamo-nos pela rama, como se costuma dizer, porque apenas percebemos a aparência, que nos pode dar uma ideia falsa das coisas. O pior de tudo é que a aparência não acolhe nem cria hospitalidade.
Há uma passagem do livro do profeta Isaías (65,1) de que eu gosto particularmente: “Eu fiz-me ouvir junto de quem não perguntou por mim. Deixei-me achar por quem não me buscou.”
É deste desprendimento e desta atitude de abertura que é feita a vida, no silêncio e na palavra, mas sempre tendo em atenção a hospitalidade, que é outra maneira de dizer abertura.
No final de cada dia, é absolutamente essencial recolhermo-nos, uns dez minutos, a recordar o modo como o vivemos, e o que ele nos trouxe de bem e de mal. E nesta reflexão é importante percebermos como foi a nossa abertura, porque isso também diz um pouco de nós.
Regresso a José Tolentino da Mendonça. Nenhum homem é uma ilha e pode(ou consegue!) viver isoladamente. É dessa tentação que nasce o desencontro connosco próprios e, sobretudo com os outros.
No livro “on the road” , Jack Kerouac, um dos principais expoentes da geração Beatnik, num assombro autobiográfico refere num diálogo entre Sal Paradise e Dean Moriarty “Qual é a sua estrada, homem? – a estrada do místico, a estrada do louco, a estrada do arco-íris, a estrada dos peixes, qualquer estrada… Há sempre uma estrada em qualquer lugar, para qualquer pessoa, em qualquer circunstância. Como, onde, por quê?”
É aqui que nos devemos situar. Mesmo que a estrada já percorrida não possa ser vencida de novo, nos seja estranha ou nos seja inacessível.
O Papa esta quarta feira centrou-se no milagre inicial de Jesus, que o evangelista João chama “sinais”, que revelam o amor misericordioso do Pai. O primeiro destes sinais prodigiosos é narrado precisamente por João (2, 1-11) e realiza-se em Caná da Galileia. Trata-se de uma espécie de “portal de ingresso”, no qual são inscritas palavras e expressões que iluminam todo o mistério de Cristo e abrem o coração dos discípulos à fé, disse o Papa Francisco.
Nas bodas de Caná, Jesus revela a profundidade da relação que nos une a Ele: é uma nova Aliança de amor.
E a vida cristã é a resposta a esse amor, é como a história de dois enamorados. Deus e o homem encontram-se, procuram-se, descobrem-se, celebram-se e amam-se: precisamente como o amado e a amada no Cântico dos Cânticos. Tudo o mais vem como consequência desta relação.
Afinal, à beira do fim há tanta coisa que pode começar, não de novo mas com novidade, porque a estrada é outra