Por Carmo Rodeia
Estamos a assinalar por estes dias o 10º aniversário da Encíclica Deus Caritas est, a primeira escrita pelo papa Bento XVI e que porventura foi um dos textos que mais o reconciliou com a igreja dos homens e das mulheres, não só pelo tema mas pela sua singularidade.
É, de facto, um texto que prende o leitor a um pontificado, muito iluminada e de grande abertura, por vezes até contrastante com a atitude pastoral marcadamente conservadora.
Nesta encíclica, os temas Deus, Cristo e Amor estão fundidos como guia central da fé cristã, num texto que se pode dividir em duas partes, que não são estanques: uma primeira mais teórica que fala da essência do amor e uma segunda que fala da materialização desse amor em gestos concretos, sobretudo do ponto de vista social.
Bento XVI parte da imagem cristã de Deus, e mostra como todo o ser humano é criado para amar e como este amor, que inicialmente aparece sobre tudo como ‘eros’ entre homem e mulher, deve depois transformar-se interiormente em ‘ágape’, em dom de si ao outro, que de forma institucional se expressa no atuar comunitário da igreja. Ainda a propósito do papel da igreja na comunicação aos outros do amor de Deus, sublinha Bento XVI, ela deve fazer visível o Deus vivo pois a força da caritas depende da força da fé de todos.
Esta caridade é definitivamente o amor, muito mais do que dar esmola, como quem alivia a consciência, dizia-nos esta semana o Papa Francisco.
“A caridade é o primeiro e o maior dos mandamentos” a par da misericórdia, lembrava o Santo Padre, destacando que ela é o gesto que melhor demonstra a relação que Deus construiu e quer continuar a construir com os homens.
“Deus não tem apenas o desejo ou a capacidade de amar, Deus é amor: a caridade é a sua essência, a sua natureza. Assim, devemos olhar para a caridade divina como um compasso que marca o ritmo da nossa vida. Através da caridade, aprendemos a olhar para os nossos irmãos e irmãs no mundo”, complementou.
“O amor é o peso da alma, a sua lei da gravidade, aquilo que leva o movimento da alma ao repouso” dizia Santo Agostinho.
Hoje a palavra até pode estar desgastada, consumida e abusada, mas nós cristãos devemos retomá-la, nas nossas relações pessoais e sociais, purificando-a e reconduzindo-a ao seu esplendor originário, até como candeia da vida.
A fé é uma coisa concreta, um critério que define um estilo de vida. Numa época na qual a hostilidade e a avidez se tornaram as grandes superpotências; uma época em que assistimos ao abuso da religião até ao triunfo do ódio, precisamos ainda mais do Deus vivo, que nos amou até à morte, que não se intromete e que não invade. Que nos dá liberdade, que se alegra com as nossas alegrias, que ampara e consola nas dores, que é capaz de nos dizer, no momento mais inesperado, uma palavra de conforto. A oração é o meio de falarmos com ele. Rezando abrimos o coração à vontade de Deus.
Não sei onde li nem de quem é uma frase que gosto muito e que recordo sempre quando falo de amor: “Quem não me deu amor não me deu nada, nem sequer a esperança”.
Não há mandamento mais importante do que este; seja o amor entre um homem e uma mulher, seja um amor de oblação.