QUARESMA – CINZAS

Por Pe Paulo Borges.

“Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de onde foste tirado: porque tu és pó e ao pó voltarás. (Gen 3, 19). “Lembra-te de que me formaste com o barro; vais fazer-me voltar ao pó?”. (Jb 10, 9).

A recordação do pecado e da morte

O pó e a cinza são sinais da destruição: o selo que o tempo e a morte deixam impressos em todas as coisas da terra. Que resta dos monumentos mais famosos da antiguidade, das capitais mais ilustres, da Roma antiga, de Atenas, de Babilónia? Cinzas e pó. Onde estão os edifícios sumptuosos da antiguidade? Cinzas e pó. Onde estão os restos dos heróis e dos sábios de outrora? Cinzas e pó. A Igreja quer que meditemos sobre a nossa origem e condição: “Lembra-te que saíste do pó e que a ele tornarás”. É a sentença divina

Sinal de fragilidade

O que é que eu sou? Cinzas e pó. O pó é levado pelo vento. Assim acontece com a minha frágil natureza. Sou acessível a todo o vento seja ele de onde vier? Se a minha vontade é tão móvel como o pó, em que é que me posso orgulhar? Que lição de humildade!

Os povos, depois de um rápido brilho, são como um amontoado de cinza depois do incêndio, profere Isaías (33, 12). Abraão afirmou: “Ousarei falar a Deus, eu que não sou senão cinza e pó?” (Gen 18, 27). No entanto, falou a Deus com humildade e confiança. Depois da celebração das Cinzas, o sinal material apagar-se-á da minha fronte, mas o símbolo que exprime a minha fragilidade pode permanecer gravado na minha memória.

Símbolo de penitência

A cinza sempre simbolizou a penitência. Quem coloca cinza sobre a sua cabeça e sobre as suas vestes quer significar que está tão triste que esquece o seu traje. Por ex. Judite, no seu luto patriótico, põe cinza sobre a sua cabeça (Jud 9, 1). Os Macabeus choravam e cobriam-se de cinzas (Mac 3, 47).

Num outro sentido, a cinza da vitela imolada é misturada à água para formar a água lustral que lavava os pecados do povo. (Num 19, 9). Os que são aspergidos com esta cinza húmida são purificados, porque, de certa forma, participam no sacrifício. Jesus alude à cinza como símbolo de penitência, quando diz às cidades, Betsaida e Corazim: “Se Tiro e Sídon tivessem sido testemunhas das maravilhas que se cumprem no meio de vós, estas cidades teriam feito penitência no cilício e na cinza” (Mt 11, 21). No início desta Quaresma as cinzas sobre as nossas cabeças exprimem esta vontade de morrer para o pecado e renascer pela graça!

 

VIVER A QUARESMA E O TEMPO PASCAL

Quaresma. Ouvir Deus dizer: “Estou à porta e bato”. Quaresma. Inaugurar caminhos no desconhecido e no comum. Escutar o Reino a crescer. Dividir a vida, porque só assim ela se multiplica. Quaresma. Confiar. Retomar. Unir. 70 x 7. Aceitar. Cruz e Ressurreição. Olhar para longe. Ir ao encontro dos últimos. Escrever: “Nenhum coração é uma ilha”. Quaresma. Escutar mais uma vez. Ter tempo para o outro. Apagar solidões e medos. Fixar-se no extraordinário convite para partilhar o Pão e o Vinho. Começar a conversa difícil com um sorriso sincero. Quaresma. Perdoar. Repartir. Respeitar o ponto de vista do outro. Contar uma história. Enxugar uma lágrima. Encorajar. Quaresma.

Celebrar tudo num gesto. Descobrir: a Páscoa é também um modo de ser. De viver. Recordar. Esquecer. Construir. Viver cada dia, este dia como se a vida inteira o tivéssemos esperado. Quaresma. E a Páscoa tão perto. Celebrar a Cruz de Cristo é assumir hoje o seu projeto, sabendo que a fidelidade ao Evangelho nos trará incompreensões e nos tirará horas de descanso. Celebrar a Cruz do Senhor Jesus é ter a firme esperança que todo o sofrimento por amor e serviço aos irmãos, é caminho que conduz à verdadeira vida. A última palavra não pertence à cruz nem á morte, mas à Ressurreição e á Vida. Esta deveria ser a história de todos os dias de cada homem. Porque todos sentimos um desejo profundo de viver, libertos de toda a alienação interna e externa.

DEZ IDEIAS PARA VIVER A QUARESMA

Recolher-se numa igreja para saborear o silêncio e a presença de Deus. Num mundo que nos rouba o silêncio e a tranquilidade precisamos de encontrar espaços que sirvam de oásis para aprendermos o valor da paz interior, refletir sobre a vida que levamos e as escolhas que fazemos. O silêncio é o único barulho que Deus faz quando passa por nós e pelo mundo.

Escutar a Palavra de Deus. Todos os dias somos bombardeados por sugestões de todos os gostos e feitios, publicidades enganosas e meias verdades que não passam de grandes mentiras. A Palavra do Senhor é o caminho mais adequado para nos aproximarmos d’Ele.

Ir ao encontro dos outros. A velocidade do comboio da nossa vida por vezes dificulta abrandarmos e olhar para o que nos rodeia e para as situações de sofrimento. A quaresma convida-nos a abrir os olhos e o coração, bem como os bolsos para partilharmos o que temos e somos com os mais desprotegidos. A Fé exige compromisso. Se Deus é Amor, a Caridade verdadeira é a sua assinatura num cheque em branco de uma conta infinita.

Amar e trabalhar pela comunidade cristã. Perdeu-se muito o sentido de comunidade. No entanto, não faz sentido haver cristãos sem fazerem comunidade onde apesar do ritmo de cada um, todos se sintam acolhidos, acompanhados e comunguem dos mesmos ideais e objetivos.

Retomar (ou iniciar) o gosto pela oração. Orar é dialogar com Deus; é encontrar-se com Ele; é deixar que Ele nos fale também; é elevar-se até ao alto e pedir emprestado os olhos e o coração de Deus para vermos o mundo, a vida e os outros como Ele vê! Só aí é que fazemos uma oração autêntica, madura e agraciada.

Guardar o jejum e fazer abstinência. Apesar de soarem a palavras do passado, essas podem ser atitudes positivas bem atuais. Falamos do jejum interior, espiritual, do coração, não dos meros ritos exteriores que desobrigam, mas não comprometem. Jejum dos sentidos (olhos, boca, mãos…) perversos e dos sentimentos maus que envenenam a qualidade da nossa vida espiritual. Pensamos melhor com o estômago e o corpo mais leve. A alimentação correta traz consigo uma vida mais saudável e feliz.

Eucarística. A celebração comunitária da nossa fé é o momento onde por excelência escutamos a Palavra de Deus, comungamos o Pão da Vida e nos encontramos com os nossos irmãos. Ela eleva a nossa qualidade de vida espiritual e nos fortalece para a vida diária.

Apetite por Deus. Hoje em dia, fala-se de tudo à mesa da nossa casa, menos de Deus. Parece que falar de Deus tornou-se no novo tabu da nossa sociedade. S. Pedro fala “em estarmos preparados em darmos razões da nossa esperança”. É verdade, que Ele está em toda a parte, mas precisamos consciencializar isso e torná-lo presente onde quer que estejamos.

Dar graças a Deus. Esta é a atitude de uma fé amadurecida e adulta. Agradecer a Deus tudo o que recebemos, revela que acreditamos naquilo que pronunciamos na oração do Pai Nosso: “seja feita a vossa vontade…”.

Começar sempre pelo positivo. A quaresma é o tempo favorável para a conversão e mudança de vida. Elevar a qualidade da nossa vida espiritual. Corrigir erros e velhos hábitos. É tempo de renascer, para que Jesus seja, de fato, a nossa Páscoa.

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