Pelo Pe Hélder Miranda Alexandre
“Não me confesso a um padre, prefiro confessar-me a Deus”. Quantas vezes já ou-vimos esta reclamação? Manifesta uma dificuldade antropológica em abrir o coração e as misérias a um homem também pecador, mas também a dificuldade em aceitar o sentido sacramental da confissão. Poderíamos argumentar de muitas formas, mas não queremos entrar numa apologética rebuscada. Pensemos simplesmente que a Eucaris-tia, cuja sacramentalidade é amplamente aceite, também é celebrada por sacerdotes pecadores. Assim como não existem anjos para a Eucaristia, também não os há para o Sacramento da Reconciliação. Aliás, nem sei se estes algum dia nos entenderiam…
O problema é mais profundo. A crise está relacionada com a aceitação da realidade do pecado. Tudo se tenta justificar. As ciências humanas psicológicas e sociológicas vão muito nesse sentido. Apesar dos seus méritos, que admiro, não se pode colocar de parte os fundamentos da antropologia cristã, em que o pecado e redenção são peças essenciais. Existem mecanismos que fragilizam as capacidades voluntárias, mas, na maioria dos casos, a pessoa é responsável pelos seus atos. Não admitir o pecado é não admitir uma doença que corrói silenciosamente.
Para isso há que fazer o mais longo caminho, o do conhecimento do próprio eu, o discernimento. Os místicos da patrística insistem que o autêntico discernimento, que envolve os nossos pensamentos e sentimentos pelos quais Deus nos fala, tem de co-meçar pela purificação, pelo reconhecimento do próprio pecado. Esse é apenas o pri-meiro passo de uma profunda e longa oração, sem pressas, no qual o discernimento se torna um habitus.
A experiência do sacramento da confissão é verdadeiramente difícil e redentora. Qualquer sacerdote, habituado a confessar, sente também essa dificuldade e esse desa-fio. Não é fácil orientar e corrigir um irmão. Exige que ele mesmo faça um percurso de redenção, aceitando as suas limitações e a alegria de se sentir amado por Deus.
Nas minhas investigações encontrei um texto medieval surpreendente e comovedor que aqui partilho:
“O sacerdote, depois, o admoeste com familiaridade e benevolência a confessar humilde-mente todos os próprios pecados sem esconder nenhum por vergonha ou temor, visto que não está falando a um homem, mas a Deus, que o presbítero representa, o qual não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva. O sacerdote diga-lhe que ele mesmo é um pecador e que o penitente não pode ter cometido todos os maiores pecados; acrescente que outros, que cometeram maiores e numerosos pecados, se arrependeram verdadeiramente e foram mais amados por Deus, como São Pedro, Paulo, o Ladrão, Maria Madalena, e muitos outros, que todo o paraíso se alegra com a penitência do pecador, porque há mais alegria para os anjos de Deus por um só pecador que faz penitência. Diga-lhe também: confesso-te irmão, porque somos homens e não podemos viver neste mundo sem pecado. Mas se te confessaste sincera-mente, e te arrependeste, e te propuseste a não mais pecar, Deus sem dúvida te remirá a culpa, e eu pela autoridade de Deus te absolvo da pena” (Sínodo de Nîmes (1284), Mansi 24, 527 C-E).
O tempo presente é verdadeiramente excepcional para este sacramento. Vivemos a Quaresma, no ano da Misericórdia. É a oportunidade da proximidade, como tão bem nos recomenda o Bispo Diocesano na sua Carta Pastoral para a Quaresma de 2016. Em Deus tornamo-nos “+ próximos”! A proximidade não do homem que se aproxima de Deus, mas do Deus que quebra barreiras em nós. Basta pedir perdão! Ele não se cansa de nos perdoar… (Papa Francisco).