Por Carmo Rodeia
Estamos em vésperas de uma eleição presidencial, com a qual ninguém se entusiasma. Aliás, atrever-me-ia a dizer que há muito tempo que não fingíamos todos- sociedade civil e jornalistas- de que estamos empenhados em acompanhar os candidatos presidenciais. Uns fabricados pelos partidos, quais cordeiros imolados e outros sem paciência ou com muito pouca convicção para enfrentarem os 12 dias penosos que ainda os afastam das urnas.
De facto não me lembro de ter visto Portugal tão indiferente. Quase tão indiferente como modesto é o contributo programático de qualquer uma das candidaturas presidenciais. Modestos na substância do que nos dizem pensar sobre as coisas, sobre o país, sobre o que aí está. E sobre o que aí deveria passar a estar, caso eles se envolvessem mesmo nesta campanha.
Na Encíclica Laudato Si, o Papa Francisco seguindo as pisadas do santo de Assis, defende a ideia de uma nova cidadania assente no paradigma de um “amor civil e político”.
O desafio é lançado à igreja e interpela-nos a todos e cada um de nós. Sobretudo dirigido aos crentes. Diz ele que “o amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se em todas as ações que procuram construir um mundo melhor”, como “amor à sociedade” e “compromisso pelo bem comum”.
Depois de nos ter dito que a “economia mata” na exortação apostólica A Alegria do Evangelho; de nos remeter para uma condição de cuidadores da natureza nesta encíclica verde, Francisco dá-nos uma lição sobre o verdadeiro amor, aquele que brota de Deus e que tem de passar , necessariamente, pelo encontro, pelo respeito e pela consideração do outro.
Fazendo isso estamos a centrar-nos sempre na ideia fundamental do bem comum. Um desígnio que a igreja persegue há séculos e mesmo não lhe competindo, na maioria das vezes, vai substituindo outros que deveriam ter esta prioridade, inovando na luta contra a pobreza e ocupando o primeiro lugar na defesa de um mundo melhor.
Somos exortados diariamente pelo Papa Francisco neste sentido: combate à pobreza, às desigualdades…
Tal como o religioso, o pensamento político tem de assentar no compromisso, em defesa de uma vida melhor, onde todos partilhem deveres e direitos. O homem, amiúde, esquece-se disso. Opta por direitos em vez de deveres; constrói a guerra em vez da paz; guarda para si mais do que reparte e o resultado está à vista de todos.
Quão distante está ainda a ideia de uma cidadania que nos torne iguais na diferença.
Vivemos o Ano Santo da Misericórdia. Além de apregoada ela tem de ser vivida, de forma concreta. Tal como a cidadania. Mesmo quando as circunstâncias nos alimentam mais desânimo do que optimismo; mais resignação do que ação.
Sinto que a campanha eleitoral só o é porque os media assim o decidem, tal é a falta de entusiasmo.
Participamos nas imagens que o écran connosco partilha. Mas será isto uma cidadania ativa, consciente e plena? Aquela cidadania que faz a diferença e que ajuda a transformar o mundo?
Julgo que o amor à sociedade que o Papa Francisco nos pede é outro. Quem sabe se, com esforço, poderemos assumir outro compromisso. Com a política e com a religião, sem fingimentos, centrados no essencial: o bem comum., pelo menos uma vez.